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Opinião|The Black Power Mixtape

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

É assombroso o acervo de imagens do movimento negro americano posto em ação em The Black Power Mixtape. Ainda mais impressionante quando se sabe que o filme é sueco e não norte-americano. O diretor Göran Hugo Olsson conta que, anos atrás, ouviu o boato de que a Suécia teria captado mais imagens dos Panteras Negras do que os EUA, o que faz certo sentido, levando-se em conta a repressão inconsciente dos americanos sobre esta página de sua história.

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Vasculhando em arquivos da TV sueca, Olsson descobriu que a rumor bem poderia ser verdadeiro. O que lá havia era um verdadeiro tesouro, registrado em película de 16 mm, e do qual emergem, vigorosas, as figuras de personagens como Stokeley Carmichael, Angela Davis, Malcolm X, Bobby Seale, Eldridge Cleaver e Huey P. Newton.

Na origem do tesouro, estava o grande interesse da TV sueca por aqueles acontecimentos fundamentais que, como depois se viu, teriam influência não apenas sobre o destino dos Estados Unidos, mas sobre os de outras partes do mundo. Se o racismo recuou, isso se deve, em boa parte, àquele tempo e àquela luta.

O filme tem esse formato de vibrante fundo de baú, em que imagens e falas vão se entrechocando para reviver um momento histórico fundamental na luta pelos direitos civis. Muitas vezes, as imagens antigas são comentadas a partir do presente por personagens como Sonia Sanchez, Harry Belafonte, John Forte e a própria Angela Davis, uma das poucas sobreviventes daquele tempo agitado.

Nesse tipo de projeto podem-se destacar partes para melhor falar do todo. Por exemplo, há algumas sequências marcantes, que tendem a ficar na memória, como a do líder Stokeley Carmichael entrevistando serenamente sua própria mãe para rastrear os efeitos do racismo no destino da família. Ou da ativista Angela Davis concedendo uma altiva entrevista no interior da prisão na qual estava encarcerada.

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Colocadas em seu contexto, quer dizer, no todo, essas imagens desvendam e revivem o debate que dividia o movimento negro: a resistência pacífica de Martin Luther King versus a violência dos Panteras Negras. Como essas posturas do passado são reavaliadas pelo olhar do presente, o filme ganha seu caráter mais nobre de documento histórico. Sob a forma de mosaico de imagens raras, tomadas a quente pelo jornalismo e reelaboradas pelo olhar retrospectivo do documentarista, The Black Power Mixtape evoca um tempo de guerra e o reinterpreta. Para talvez concluir, como se costuma dizer, que o passado não apenas não morreu, como ainda não passou. Seus ecos vivem em nós, sob a forma da herança cultural.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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