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Opinião|Tchau, Veneza

Dei a minha passeadinha de despedida em Veneza, pois viajo amanhã.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Sabem aqueles pequenos conjuntos musicais que tocam em frente aos cafés famosos (Florian e Quadri, os mais conhecidos)? Pois bem, o repertório brasileiro anda em alta. Na amostragem das últimas noites, os hits são Aquarela do Brasil e Tico-tico no Fubá. Fruto, talvez, da alta presença de turistas patrícios por aqui. Ontem, num restaurante, duas mesas eram ocupadas por famílias brasileiras. Hoje, mãe e filha me abordaram no vaporeto e pediram dicas.

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Ontem, em meio a essas orquestras, uma aparição. Uma moça, belíssima, em longo preto, tocando a Chaconne de Bach ao violino. E tocando bem! Postou-se em frente à torre do Campanário, diante da Basílica de San Marco. Eu ouvia (e via) hipnotizado. Depois fui comer alguma coisa. E tomar um trago e fumar um charuto, que ninguém é de ferro. Quando lá passei de novo para pegar o vaporeto de volta ao Lido ela já não estava. Fora um sonho? Um desses sonhos que apenas Veneza nos leva a sonhar?

Depois da Mostra de Cinema, houve uma breve esvaziada na cidade. Agora, Veneza e o Lido encheram de novo, e de maneira espetacular. Os vaporetos estão parecendo o metrô de São Paulo às 18h, mal comparando, é claro. Os orientais dominam, mas há muitos russos e alemães. Os europeus, ao que parece, resolveram esticar as férias, já que o verão por aqui está à toda. Nunca senti tanto calor nesta época do ano. Aquecimento global? Pode ser. Os venezianos queixam-se do siroco, o terrível vento quente que vem da África. Pode ser um fenômeno atmosférico mas é também uma metáfora.

Pode ser também que os europeus tenham resolvido curtir a vida enquanto a crise não acaba com a festa. Como as notícias vindas da Grécia não são as melhores, teme-se que toda a zona do euro seja contaminada, o que pode acabar com a alegria geral. Então, é melhor aproveitar enquanto dá.

Uma dica para quem vier: se quiser curtir a magia de Veneza, opte pela noite. A praça tem menos gente, as ruas ficam mais transitáveis um pouco, um certo mistério volta a pairar no ar. É atrás disso que a gente vem, não?

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Enfim, o charme da Sereníssima República resiste ao excesso de gente e aos pavorosos outdoors que cobrem alguns monumentos como a Ponte dos Suspiros, parte do Palácio Ducal e outras fachadas do conjunto arquitetônico da Piazza San Marco. Aliás, poucas vezes a predação publicitária se expressou com mais ênfase do que nessa tentativa de destruição do mais lindo lugar do mundo. Eu, se fosse prefeito de Veneza, teria vergonha de permitir uma coisa dessas. E, se eu fosse veneziano, ou apaixonado por Veneza, como sou, em protesto não compraria nenhum dos produtos de luxo anunciados pelos gigantescos cartazes. Pronto: não vou tomar o champagne anunciado pela Scarlett Johansson nem que ela em pessoa me ofereça. Nem vou comprar o carrão possante apregoado em outro espaço. Não contem comigo.

Enfim, a magia de Veneza ainda existe, pois nada pode liquidá-la; mas tem de ser procurada a dedo. Até por aí.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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