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Cinema, cultura & afins

Opinião|Sobre Orfeu

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Algumas pessoas comentaram a respeito de Orfeu Negro, de Marcel Camus. Eu também não morro de amores pelo filme. Agora, ele tem uma fama internacional impressionante. Foi o que constatei quando pesquisava para escrever meu livro Cinema de Novo - um Balanço Crítico da Retomada (Editora Estação Liberdade, 2003). Eis aí um trechinho sobre Orfeu.

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Quando se escreve sobre esse tema (filmes ambientados nas favelas) não se deve esquecer que, antes do Cinema Novo, a favela foi objeto de certa idealização, de uma estetização da pobreza, como parece ser o caso do filme perdido de Humberto Mauro, Favela dos Meus Amores, e como certamente é o de Orfeu do Carnaval, obra mítica, dirigida pelo francês Marcel Camus, e ganhadora do Festival de Cannes e do Oscar de produção estrangeira de 1959.

Camus adaptou para o cinema a peça de Vinícius de Morais, Orfeu da Conceição, que encena o mito de Orfeu e Eurídice nos morros cariocas. Com música de Antonio Carlos Jobim e bonita fotografia em technicolor, o filme mostra um Rio de Janeiro de cartão postal, onde as pessoas sambam nos bondes e nas barcas, cantam, dançam, se amam e são felizes. Macumba para turista, foi o mínimo que se disse dessa obra, no entanto amorosa para com o Brasil, e que correu mundo, sendo famosa até hoje.

Encontram-se referências a Orfeu do Carnaval nos lugares mais inesperados, como nas linhas de um romance japonês recém-traduzido Diário de um Velho Louco, de Kanizaki, quando uma personagem se refere ao ator Breno Mello, ex-jogador de futebol, que viveu o papel-título com devoção e talento mediano. Ou no filme de Spike Lee, A Huey P. Newton Story, de 2001, sobre um dos fundadores do grupo Panteras Negras. A certa altura, Newton, interpretado por Roger Guenveur Smith, refere-se ao Orfeu do Carnaval como um marco, a melhor coisa que havia visto no cinema. Elogia, enfaticamente, a sequência em que Orfeu ensina a um garoto a arte da música, entendendo que ela significa a transmissão da cultura negra de geração para geração.

Marcel Camus gostava tanto do Brasil que voltou duas vezes para filmar aqui. A primeira foi em 1960, logo depois do lançamento de Orfeu. O novo projeto chamava-se Os Bandeirantes e foi rodado em cidades nordestinas, Manaus e Brasília. Na história, escrita por ele mesmo, um garimpeiro traído por dois amigos trama vingança. O filme foi um fracasso absoluto. Dezesseis anos depois, voltou para realizar Otália da Bahia, com roteiro baseado em Os Pastores da Noite, de Jorge Amado. Rodou em Salvador e novamente foi acusado de edulcorar o real brasileiro. Defendeu-se dizendo, com certa razão, que não seria ele, um francês, a pessoa adequada para apontar as misérias da sociedade brasileira.

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Um dado curioso - e humano - mostra como o fascínio de Marcel Camus pelo Brasil ia além do registro cinematográfico. Ele se apaixonou e acabou se casando com a atriz Lourdes de Oliveira, que representava a noiva ciumenta de Orfeu. Acabado o trabalho no Brasil, Camus levou Lourdes para a França, onde tiveram dois filhos. Há quem diga que esse casamento foi a forma de Camus unir-se, simbolicamente, a um país adorado, cujo retrato não se cansava de retocar quando não correspondia à realidade por ele idealizada.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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