Um Sonho Possível trata de uma história edificante, e que não deixa de ter suas implicações políticas. Mais: é um daqueles filmes baseados numa "true story", o que, perante o público, lhe confere grau de veracidade acima de qualquer questionamento. Aconteceu na vida real, o cinema apenas faz o relato do fato. E qual seria o fato? Um rapaz negro, pobre, desajeitado, mas muito bom em determinado esporte (o futebol americano), é adotado por uma republicana rica, loura e mandona - Bullock, claro.
Leigh Anne Tuohy é o nome da personagem de Sandra, num filme concebido e realizado para seu brilho como atriz. E, de fato, ela tem lá seus momentos intensos, embora o tipo que encarne ronde o clichê o tempo todo. Ela está acostumada a dirigir a vida do marido e dos filhos e agora assume o controle do destino de Michael Oher (Quinton Aaron), o garotão desamparado e talentoso como quarter-back, a mais nobre posição no futebol americano. Leigh Anne controla para o bem do controlado. Ela sabe melhor do que qualquer um a direção a seguir e assume o timão em todos os aspectos da vida, com pequeno espaço para opções individuais. Mesmo assim, reserva-se um grau mínimo de autonomia para o garoto negro, pois, afinal, estamos na América, etc.
Como a dizer que: 1) existem conservadores bem-intencionados; 2) dependendo das circunstâncias, eles podem ser melhores do que gente dita progressista; 3) seres antissociais devem ser enquadrados na base da força para que não perturbem pessoas de bem; 4) essa história de democracia e tomada autônoma de decisões, deve ser relativizada. Precisamos saber o que é melhor para as pessoas e conduzi-las, mesmo que pareçam fazer suas próprias escolhas.
Esse é o ideário de Leigh Anne e dá contorno ideológico ao filme. Que, como se disse, tem lá seus momentos, mas é bastante problemático em qualquer aspecto que se pense.