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Cinema, cultura & afins

Opinião|Rohmer (1920-2009)

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Éric Rohmer, um dos grandes nomes do cinema francês contemporâneo, morreu em Paris aos 89 anos. Rohmer compunha com François Truffaut (já falecido), Claude Chabrol, Jacques Rivette e Jean-Luc Godard o núcleo duro na nouvelle vague, movimento que revolucionou o cinema francês entre os anos 1950 e 1960 e teve influência mundial, até mesmo sobre o cinema brasileiro da época.

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É autor de filmes fundamentais como O Signo do Leão (1959), Minha Noite com Ela (1969), O Joelho de Claire (1970), Noites de Lua Cheia (1983) e O Raio Verde (1985), com o qual ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Rohmer manteve-se em atividade até recentemente. Em 2007 apresentou em Veneza Os Amores de Astrée e Céladon, adaptado do clássico da literatura francesa. Habitué do festival italiano, lá exibira também A Inglesa e o Duque (2001), ao receber outro Leão de Ouro, este pela carreira. Era sua visão da Revolução Francesa pelo ângulo da nobreza - o que lhe custou não poucas críticas na ocasião. Rohmer defendeu-se dizendo que Jean Renoir já havia mostrado a revolução pelo lado do povo no clássico A Marselhesa e ele queria apenas revelar os fatos por outra perspectiva. Não lhe perdoaram.

No entanto, a temática diretamente política era mais uma exceção que a regra nesse diretor que se dedicou a esmiuçar os paradoxos das relações amorosas, tal como faria um escritor libertino do século 18, com os quais ele foi muitas vezes comparado. Astrée e Celadon, filme bucólico sobre os caminhos incertos do ato de se enamorar, acaba sendo o ponto final dessa obra muito coerente, feita sem qualquer concessão a modismos ou a interesses comerciais imediatos. Rohmer era um "autor" no sentido que ele e seus colegas ajudaram a definir. Seus filmes eram expressão de seu mundo pessoal, e da maneira como esse mundo se traduzia em linguagem cinematográfica.

Como seus colegas de nouvelle vague, Rohmer, nascido Jean-Marie Maurice Schérer em 1920, em Nancy, exerceu a crítica cinematográfica antes de se tornar realizador. Escreveu na mitológica revista Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin em 1951. Em 1957, Rohmer assume o cargo de editor dos Cahiers e permanece no posto até 1963. Os então jovens críticos usavam a revista como ponta de lança para a faxina que pretendiam fazer no cinema francês da época, tido por eles como acadêmico e literário. Colocaram alguns medalhões no índex, tiraram autores esquecidos do limbo e colocaram nas alturas cineastas tidos como "menores". Hitchcock era um deles. Rohmer, que ainda se assinava Maurice Schérer, escreveu um livro famoso em companhia de Chabrol, elevando o mestre do suspense à condição de gênio. Até então, Hitchcock era considerado um diretor comercial, um artesão competente, mas pouco além disso.

Essa postura inicial empresta sentido a toda a obra de Rohmer - e também à de seus colegas: o cuidado com o meio de expressão cinematográfico mais que com a "nobreza" do tema. Pouco importava a dignidade da origem literária de uma obra. O sentido cinematográfico teria de ser buscado na mise-en-scène, na maneira como as imagens eram manipuladas para que o diretor se expressasse. Tendo em mente essa ideia, Rohmer seguiu seu caminho pessoal, mais discreto que os de Truffaut, Godard ou Chabrol. Rigoroso como um matemático, acabou por se impor pela qualidade da sua filmografia. Uma obra que ele gostava de formatar em séries como a dos Seis Contos Morais ou os Contos das Quatro Estações.

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Fazia um cinema em que a imagem é desenhada com exatidão de geômetra, mas no qual a palavra ocupa posição central. Se o tema, em geral, é o paradoxo da vida amorosa, as histórias, muito dialogadas, mantêm a atração de um thriller. Afinal, a lição de Hitchcock foi decisiva desde o início, e a dúvida lançada sobre o futuro amoroso de um casal é ainda uma das melhores fontes de suspense de todos os tempos. Mesmo se tratada com profundidade filosófica.

O que ver em DVD

Os Amores de Astrée e Céladon (2007) A Inglesa e o Duque (2001) Conto de Outono (1998) Conto de Verão (1996) Conto de Inverno (1992) Conto de Primavera (1990) O Amigo de Minha Amiga (1987) Quatro Aventuras de Reinette e Mirabelle (1987) O Raio Verde (1986) Noites de Lua Cheia (1984) Pauline na Praia (1983) O Casamento Perfeito (1982) A Mulher do Aviador (1981) A Marquesa D"O (1976) Amor à Tarde (1972) O Joelho de Claire (1970) Minha Noite com Ela (1969) A Colecionadora (1967) A Carreira de Suzanne (1963) A Padeira do Bairro (1963) O Signo de Leão (1959)

(Estado, Vida&, 12/1/10)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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