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Cinema, cultura & afins

Opinião|Paranoid Park está em toda parte

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Atualização:

Diálogo de adolescentes: 'Não estou preparado para Paranoid Park.' O outro: 'Ninguém nunca está preparado para Paranoid Park.' O nome remete a algo misterioso, mas ficamos sabendo que o tal Paranoid Park é um local onde os skatistas se exercitam. Um lugar de reunião de teenagers que se adestram para a vida pela única forma conhecida, medindo-se com os outros. No caso, essa rinha de jovens se faz pelo skate, prancha com rodinhas que, para eles, é resumo do mundo.

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Assim como o garoto poderia ter dito que nunca ninguém está totalmente preparado para a vida, Gus Van Sant também continua intrigado com essa fase em que o ser humano flexiona os músculos aprontando-se para ocupar seu lugar no mundo adulto. Van Sant parece acreditar ser essa uma fase sempre sujeita a desastres. E, por algum motivo, essas intercorrências se tornam mais freqüentes no mundo moderno. De vez em quando, em seu país, um ou dois adolescentes pegam em armas e saem por aí, atirando. Não para defender alguma causa, por estapafúrdia que seja, mas para eliminar colegas, desafetos, vigias escolares, gente do seu ambiente ou mesmo desconhecidos. Foi assim na vida real em Columbine, quando dois rapazes chegaram ao colégio armados e foram atirando, matando várias pessoas. Fato que Van Sant reviveu (e interpretou) em Elefante, vencedor da Palma de Ouro em Cannes em 2003. O universo jovem continuou no trabalho seguinte, Últimos Dias, fase final do roqueiro inspirado em Curt Cobain.

Agora, Paranoid Park, e mais uma vez um adolescente como protagonista. Quem é ele? Alex (Gabe Nevins), problemático, pais separados, dificuldades com garotas. Ele é estimulado por amigo a freqüentar Paranoid Parker, suposto local de formação, já que recebe não só por skatistas, mas também desocupados e outros marginais. Gente dura, portanto instrutiva. Um dia o vigia da estrada de ferro que passa lá por perto é encontrado morto. Acidente? Crime? A polícia investiga e as suspeitas recaem sobre os habitués do Paranoid Park.

O filme toma então o clássico caminho do 'quem fez isto?' Mas nunca de forma convencional. Van Sant se especializou em trabalhos de natureza inquietante, perturbadores não só pela temática mas pela maneira como trabalha os meios expressivos. Por exemplo, a 'dança' dos skatistas, seu desafio à lei da gravidade, é filmada em tomadas elegantes, em câmera lenta e enquadramentos belíssimos, elevando a prática à condição de arte, como num hiper-realismo. A ação é pontuada, de maneira irônica e deslocada, por melodias de Nino Rota emprestadas de Julieta dos Espíritos, de Federico Fellini. Enfim, o trabalho com o material visual e sonoro leva o filme a uma permanente sensação de estranheza, enquanto Alex rememora os fatos em seu diário. Por que ele faz isso? Porque escrever pode ser um consolo, ensina uma colega do garoto.

Como em Elefante, Van Sant avança nesse terreno minado sem intenção explicativa. Junta fatos, estados psicológicos, sugere, acolhe contradições. Sabe que penetrar na cabeça de um adolescente é mover-se num pântano, é falar numa linguagem estrangeira que não se domina. Saber quem são e o que pensam, e por que não confiam mais nos adultos, talvez seja um dos maiores desafios. E Van Sant acolhe, em sua maneira de filmar, a dificuldade, senão a impossibilidade de levar ao fim essa tentativa de compreensão. Idéias como responsabilidade e culpa, que parecem encerrar significados e valores estáveis talvez estejam em processo de mutação, e essa é uma das facetas do nosso mal-estar. Que haja um cinema capaz de acolher essas questões em seu tecido narrativo é prova de vitalidade dessa arte às vezes tão anódina.

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Foi-se o tempo em que as grandes explicações sociológicas pareciam disponíveis e se podia falar então de falta de perspectivas como causa da violência. Hoje parece que há consciência de que esses fatores têm sua influência, mas não explicam tudo. Há sempre um 'resto', algo misterioso, e que aparece no rosto sem expressão do adolescente, em sua fala lacônica e defensiva. Em dado momento, Van Sant parece ser mais explícito. Alex conversa com o pai e este aparece em segundo plano, desfocado, dizendo que talvez não seja a pessoa indicada para aconselhar o filho. Depois, o pai surge de forma nítida. Tem os braços inteiramente tatuados e uma aparência desses quarentões 'jovens' que, de fato, não parecem talhados a servir de referência porque eles próprios não cresceram. Mas é apenas uma aproximação. O resto é mistério.

(Caderno 2, 25/1/08)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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