Na primeira, vê-se a maneira um tanto caótica como um gênio do samba do tipo de Nelson Cavaquinho se move em seu hábitat. À maneira de um mosaico, os planos se sucedem, como descosidos, mas dando imagem perfeita do mundo, externo e interno, do personagem, nos bares, no morro, no terreiro. Hirszman nada limpa ou lima desse universo um tanto inquietante para um espectador de classe média contemporâneo. Outro cineasta teria esperado que Nelson ficasse sóbrio para cantar ou falar de sua vida. Outro diretor teria cortado cenas em que um pai dá cerveja a um bebê de colo e depois passa a garrafa ao filho um pouquinho maior que está no chão. Outro teria ignorado o quarto miserável do compositor, com seus pobres objetos e seu colchão roto, uma enxerga de dar dó. Mas, pelo contrário, é mostrando tudo isso que a verdade profunda do documentário se impõe e faz crescer nossa empatia pelo personagem. O mosaico da personalidade de Nelson é indecifrável. Mas vislumbramos alguma coisa dela por esse filme notável e estilhaçado.
Já Partido Alto opta pelo equilíbrio. Sem ser didático, procura passar algumas ideias definidas sobre essa vertente pura do samba. Mostra e faz ouvir o canto, e também entrevista os partideiros, alguns notáveis como Candeia e Manacéa. O mestre de cerimônias informal é um então muito jovem Paulinho da Viola que, nos extras, volta para comentar o próprio filme de que participa. Sempre inteligente, sempre gente fina.
(Cultura, 17/1/10)