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Cinema, cultura & afins

Opinião|Olhar de Cinema 2019: um pedacinho de chão

Filme de Camila Freitas sobre a luta do MST pela reforma agrária foi o mais aplaudido até agora no Olhar de Cinema, em Curitiba

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

 

CURITIBA

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Foi, até agora, a maior consagração deste 8º Olhar de Cinema. Chão, de Camila Freitas, foi longamente aplaudido e recebido com palavras de ordem a favor da reforma agrária, do direito à terra. Não se trata de sucesso apenas pelo caráter político. O filme, feito ao longo de quatro anos de convivência com militantes do MST, tem qualidades cinematográficas intrínsecas.

O cinema de urgência tem seus méritos. Mas o cinema de paciência, também. Chão enquadra-se no segundo caso. Camila reservou-se todo o tempo necessário não apenas para observar a luta de um assentamento do MST em Goiás, como acompanhar seu modo de vida, seu trabalho duro, o esforço para ligar-se à comunidade local. Registra suas inquietações, suas esperanças, seu humor e sua tristeza. Usa cenas de passagem e meditação como forma de dar ao espectador espaço para refletir sobre o que está vendo. Como disse uma espectadora ao final da sessão, "é o mais complexo filme já feito sobre o MST".

Documentário de observação dos sem-terra, Chão também se ocupa de outras vertentes da difícil equação da injustiça social brasileira. Acompanha o julgamento de uma ocupação e, sem fazer qualquer comentário em off, deixa claro o lado em que a Justiça brasileira se encontra. Mostra também manifestações e outras estratégias de luta. Acima de tudo, revela as pessoas que compõem o movimento, da "Vó", idosa cheia de vida e esperança, ao loquaz "Frango", transbordante de ideias e teorias.

Impossível não se emocionar com o filme. Impossível deixar de pensar nesta luta secular contra a injustiça,que recomeça a cada nova geração de brasileiros.

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Família de Madrugada

O filme de Luke Lorentzen, Família da Madrugada, começa com uma informação. Na Cidade do México existem apenas 45 ambulâncias públicas para atender a uma população gigantesca. Um nada. Diante da ameaça do caos, as autoridades liberaram as ambulâncias particulares, que fazem o serviço por conta própria e cobram dos usuários.

Passamos então a acompanhar a família Ochoa, dona de um veículo. Aliás, a família tem na ambulância seu modo de vida. Pai, tio, um rapaz jovem e um menino saem pela madrugada em busca de acidentes e ocorrências de urgência. Os casos não faltam na Cidade do México e as ambulâncias particulares disputam corrida para ver qual chega primeiro ao local da ocorrência. Os meios de atendimento parecem precários e improvisados. A higiene deixa a desejar. Tudo parece surreal. E é.

O tom dramático vai se impondo com o avanço da noite. A família é muito bem humorada e o ar de bagunça social nos é muito familiar. Mas acontece que as ocorrências são comunicadas às ambulâncias pela polícia, que,em troca, espera por sua recompensa. Os acidentados são encaminhados para hospitais particulares e de qualidade duvidosa que, evidente, pagam pela preferência.

Desvela-se então a rede de corrupção que sustenta o sistema. Neste, o paciente e sua família, pegos no momento de maior fragilidade, são sempre o elo mais frágil. É o que acontece quando o Estado se omite em determinadas atividades.

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Étangs Noirs

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Filme belga, de Pieter Dumoulin e Timeau de Keyser, se apega a um dispositivo e a ele se atém do começo ao fim. Um jovem negro, morador de um conjunto habitacional de Bruxelas, recebe por engano um pacote do correio. Tenta entregá-lo à verdadeira destinatária. Sua vida transforma-se numa gincana, pois empenha-se em entregar o pacote em mãos à dona.

A câmera está sempre próxima e rente a Jimi, que parece um personagem de Julio Cortázar. Sua integridade natural vê-se atravessada por doses cada vez mais intensas de absurdo, através das quais as mazelas e preconceitos da sociedade marcam presença.

Um certo tom de artificialismo diminui um pouco o impacto deste filme bem construído, mas talvez estruturado demais para parecer de todo convincente.

 

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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