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Opinião|O que essa gente quer da seleção?

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Atualização:

Vi duas reações opostas à goleada da seleção brasileira sobre a Venezuela. A primeira: "Agora sim, com Kaká o time é outra coisa e a seleção vai massacrar também a Colômbia no Maracanã". A segunda: "Passar por cima da Venezuela é moleza; quero ver quando encontrar um time carne-de-pescoço pela frente, que não dê tanto espaço aos atacantes". Quem tem razão?

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Sem querer ficar no muro, acho que as duas opiniões têm lá suas razões de ser. Quem dispõe de um meia-atacante tão sólido quanto Kaká de fato não tem do que se queixar. Ele, indo ao gol na vertical, ao lado de um Robinho liso e driblador (e agora, parece, chutador mais eficiente) e mais um centroavante como Adriano ou Luís Fabiano formam um ataque difícil de conter. Kaká, em forma, faz, sim, toda a diferença.

Mas o fato é que a Venezuela deu espaço para ele e companheiros se movimentarem à vontade. Em especial porque tomou um gol logo aos cinco minutos, o que, se sabe, altera toda a proposta tática de um time. Não posso acreditar que a Venezuela tivesse a intenção de encarar o Brasil de igual para igual, iludida por aquela inédita vitória por 2 a 0 em jogo amistoso. Como tomou gol muito cedo, viu-se obrigada a ir para a frente mais do que talvez quisesse. Mas também é fato que o primeiro gol do Brasil, na arrancada de Robinho que serviu a Kaká, saiu porque a defesa da Venezuela foi pega no contrapé. Estava desarrumada porque o time atacava quando perdeu a bola. São contingências de jogo. Assim como podem ter sido contingências de jogo a vitória fácil, os gols bonitos, o tão esperado show, em suma. Show que, diga-se de passagem, todo treinador pragmático (Dunga é um deles) sempre nega ter como objetivo. "O negócio é ganhar, quem deseja espetáculo vá ao Teatro Municipal", proclamou, com o humor costumeiro, o também pragmático Muricy Ramalho na semana passada.

Vamos dizer que o Brasil vença e dê show também amanhã. Não acho provável, porque a Colômbia é um pouquinho melhor do que a Venezuela. Mas também não é impossível. O que vai acontecer? Tudo o que até agora se falou sobre a seleção será arquivado? Por exemplo, que ela perdeu a identificação com a torcida porque quase todos os jogadores são "estrangeiros", que o time nunca joga por aqui, que atletas milionários não têm amor à camisa e não sabem incluir-se em uma grande tradição, que abandonou um estilo de jogo característico, etc., etc. e tal?

No limite, podemos perguntar: se a seleção jogar bem, como jogou no domingo, todas as críticas se desfazem? Porque é disso que se trata no fundo: é certo julgarmos as coisas apenas pelo resultado, mesmo no futebol, para muitos a mais prática das atividades porque quem vence tem sempre razão?

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Cada um de nós terá sua resposta a essas perguntas. Eu tenho a minha: para a seleção brasileira não basta ganhar e ponto final. Precisa ganhar, mas jogando no estilo a que nos acostumamos. Jogando bonito, como jogaram as seleções de 58, 62 e 70. Como o Santos de Pelé, o Flamengo de Zico, o Botafogo de Garrincha, o Cruzeiro de Tostão, etc. Do nosso jeito. Só nos satisfazemos com isso. Mas essa é apenas uma opinião. Segundo essa filosofia (de futebol e de vida), o que desejamos da seleção? Respondo de maneira ostensiva: desejamos tudo. O resultado e o espetáculo. O pão e o circo. A eficácia e a arte. O feijão e o sonho. Menos que isso não serve.

(Coluna Boleiros, 14/10/08)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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