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Cinema, cultura & afins

Opinião|O Palhaço, delicado, agridoce

Se alguém for buscar referências cinematográficas para O Palhaço precisará de uma lista do tamanho de um dicionário para listá-las. De Federico Fellini ao cinema marginal, as "amizades" fílmicas de Selton Mello estão todas lá, funcionando como guias, porém não como grilhões. Essas referência s - e isso é o fundamental - aparecem diluídas e integradas a essa obra orgânica. Nota-se um tremendo salto evolutivo do cineasta Selton em relação à sua primeira experiência na direção, Feliz Natal, muito boa, porém talvez atravancada pelos acenos ao cinema dito "de arte".

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Em O Palhaço não há nada disso. Com seu ótimo background de cultura cinematográfica, quando visto, o filme  parece feito do nada. Inspira-se na longa tradição mambembe do circo pobre brasileiro, e também universal, com suas figuras emblemáticas. O dono, que é também o palhaço veterano (Paulo José), com seu filho (Selton) em crise de identidade, passando pela equilibrista gostosa, a mulher gorda, a lona rasgada, os veículos caindo aos pedaços. É um protótipo, não um clichê.

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O mundo do circo serve também para Selton discutir (possivelmente consigo mesmo) a questão da vocação artística. O estrelato concede muito e também cobra muito. É possível que um astro da TV (este outro circo), mesmo consagrado,  fique em dúvida tanto quanto um palhaço iniciante. No fundo, domina a questão: o que se deve fazer nesta vida para sermos felizes? Para que estamos preparados? Devemos seguir nossa vocação, mas o que é uma vocação senão um chamado maior do que nós? E como descobri-la?

Essas perguntas passam nos bastidores (e às vezes em primeiro plano) deste filme de trama simples, visual rebuscado e interpretações inspiradas. A começar pelas de Paulo José e de Selton, mas a se registrar um solo de Moacir Franco, extraordinário como delegado de polícia, e a participação afetiva de Ferrugem.

Há certa melancolia de fundo em O Palhaço, mesclada ao humor, mas qualquer reflexão sobre a vida é assim mesmo. Bonita porém triste. Agricoce.

(Caderno 2)

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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