Em O Palhaço não há nada disso. Com seu ótimo background de cultura cinematográfica, quando visto, o filme parece feito do nada. Inspira-se na longa tradição mambembe do circo pobre brasileiro, e também universal, com suas figuras emblemáticas. O dono, que é também o palhaço veterano (Paulo José), com seu filho (Selton) em crise de identidade, passando pela equilibrista gostosa, a mulher gorda, a lona rasgada, os veículos caindo aos pedaços. É um protótipo, não um clichê.
O mundo do circo serve também para Selton discutir (possivelmente consigo mesmo) a questão da vocação artística. O estrelato concede muito e também cobra muito. É possível que um astro da TV (este outro circo), mesmo consagrado, fique em dúvida tanto quanto um palhaço iniciante. No fundo, domina a questão: o que se deve fazer nesta vida para sermos felizes? Para que estamos preparados? Devemos seguir nossa vocação, mas o que é uma vocação senão um chamado maior do que nós? E como descobri-la?
Essas perguntas passam nos bastidores (e às vezes em primeiro plano) deste filme de trama simples, visual rebuscado e interpretações inspiradas. A começar pelas de Paulo José e de Selton, mas a se registrar um solo de Moacir Franco, extraordinário como delegado de polícia, e a participação afetiva de Ferrugem.
Há certa melancolia de fundo em O Palhaço, mesclada ao humor, mas qualquer reflexão sobre a vida é assim mesmo. Bonita porém triste. Agricoce.
(Caderno 2)