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Opinião|O novo Woody Allen

Você Vai Conhecer o Homem de Sua Vida: Com esse título meio quilométrico, parecendo de comédia romântica, chega aí o novo Woody Allen. O Allen do ano, já que o diretor, veterano, continua a produzir com rapidez e regularidade.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Essa constância tem valido comentários do tipo: "faz sempre o mesmo filme" É preciso distinguir as coisas. De fato, você tem artistas que, com o tempo, põem-se a reciclar o mesmo material e tornam-se monótonos ecos de si mesmos. Há os que se "repetem" de outra maneira, meio em espiral, digamos. Parece que andam em círculos, mas estão sempre se movendo em espaços novos, buscando aprofundar velhos temas que os obcecam. Assim, nesse novo Woody Allen teremos suas preocupações de sempre com a velhice e a virilidade, o papel do acaso na vida humana, o caráter meio tolo de tudo aquilo que julgamos fundamental, a busca da alegria possível já que a felicidade completa parece mais distante que qualquer outra utopia. Vimos esses temas tratados em outros filmes de Woody Allen? Sem dúvida, mas não do jeito em que são desenvolvidos neste.

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Vejamos. Alfie (Anthony Hopkins), setentão ligado à forma física, separa-se da mulher (Gemma Jones), casamento de décadas. Para refazer a vida, casa-se de novo, agora com uma jovem prostituta (Lucy Punch). A esposa de Alfie, abandonada, passa a consultar-se com uma vidente e torna-se inteiramente dependente dela. A filha de Alfie, Sally (Naomi Watts), não atravessa momento mais estável que os pais. Sente-se atraída pelo chefe (Antonio Banderas), enquanto seu marido, um escritor (Josh Brolin), arrasta asa para a vizinha (Freida Pinto).

São cirandas amorosas pois, para Allen, em constatação óbvia, todo mundo procura a felicidade nessa área. Como, por definição, o desejo está sempre em outra parte e nunca ao nosso lado, uma certa tendência à instabilidade parece inerente à espécie humana. O que se faz para lidar com isso é que são elas. Ou eles, já que as mulheres encontram-se tão inquietas como os homens nessa matéria. Essa situação pode ser encarada como uma tragédia. Ou como comédia. Ou, melhor ainda, como uma combinação das duas coisas. Allen sabe que a angústia do abandono, da impotência, da solidão e da morte são inevitáveis. Fazem sofrer. Mas uma das (poucas) maneiras que temos para combatê-la é o riso. O riso que endereçamos não aos outros (isso é fácil demais), mas a nós mesmos, o que exige uma certa postura, digamos, filosófica.

Essa sabedoria de fundo é que faz a diferença entre Woody Allen e outros cineastas. O humorismo adulto de Allen, que expõe nossa fragilidade ao invés de escondê-la, é uma das suas profissões de fé, e o liga a uma antiga tradição, ao velho humor judaico cheio de ironia e consciência do mecanismo de funcionamento do mundo. Filme após filme, Allen vem produzindo esses atos de inteligência, que nos iluminam sem nos alienar de nossa humana condição. Por isso é indispensável.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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