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Opinião|O Mensageiro

Na série de filmes que tentam digerir as consequências do envolvimento dos Estados Unidos em guerra, eis aqui um que escolhe ângulo original. Em O Mensageiro, Oren Moverman mostra um lado pouco explorado da atividade militar: o "mensageiro" do título é aquele cidadão incumbido de avisar às famílias que seu ente querido não voltará à casa. Eles agem em duplas, como já se viu em muitos filmes antes, e comunicam brevemente, com palavras burocráticas, a morte para esposas, pais, mães, irmãs. São portadores de más notícias e, como tal, sofrem um tremendo desgaste psicológico com essa função.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A trama de O Mensageiro se apóia na diversidade de personalidades de uma dessas duplas. De um lado, o novato retraído, Will Montgomery (Ben Foster), que retorna ao país ferido em combate e recebe essa incumbência de brinde. De outro, o superior hierárquico, o capitão Tony Stone (Woody Harrelson). Nesse papel, Harrelson desenvolve sua vocação de piadista, já despertada em A Última Noite, canto do cisne de Robert Altman, no qual interpreta um debochado cantor country. Harrelson é engraçado, careteiro, fala com sotaque interiorano. Tem seu charme, meio tosco. E, dessa maneira, cai como roupa sob medida no personagem do capitão Stone. Ele é quem dá o toque humorístico que tempera a função fúnebre que lhe cabe, e também satiriza, em filigrana, a rigidez burocrática do ritual militar.

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Mas é óbvio que O Mensageiro não é uma sátira. Nem teria coragem de ser - como teve Altman, para citá-lo ainda uma vez, com Mash. É um filme sério, com pitadas de humor que, de tão naturais, soam como "cacos", falas improvisadas, de Harrelson. É bom que seja assim, pois funcionam como elementos refrigerantes, respiros de um filme que seria opressivo sem eles.

Mas o fato, também, é que o filme tem duas metades bem distintas - e a primeira funciona melhor do que a segunda. Na primeira, a ênfase cai na deterioração psicológica de Montgomery, que sucumbe sob o peso da missão que lhe é imposta. Em seguida, essa condição se agrava com um dilema ético quando ele se apaixona pela uma mulher (Samanta Morton) a quem acaba de comunicar a morte do marido. Isso pode? Obviamente não pode, segundo as rígidas regras impostas aos mensageiros de más notícias. Mas o que sabem os sentimentos das leis dos homens e das regras militares? Esse conflito adicional é desenvolvido com delicadeza e de maneira plausível.

No entanto, é pena que, de outro lado, a história perca um pouco seu foco quando os dois militares passam a se comportar como adolescentes em férias. Por alguns momentos, tudo fica meio esquizofrênico, até que o rio retorne ao seu leito e a história recobre o sentido original. Apesar dos desvios, é um bom filme, afinal de contas.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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