Leio hoje na Folha que o departamento de marketing do São Paulo está pensando em faturar em cima do sistemático mau humor de Muricy Ramalho. Para quem não acompanha o futebol, informo que as coletivas de imprensa do treinador são aulas de falta de educação. Rara é a pergunta respondida sem o acompanhamento de uma patada no repórter que a formula.
Curiosamente, a mídia, em sua maioria, tolera e até acha graça nessas grosserias. Por coincidência, ontem mesmo eu comentava com meu amigo e colega Antero Greco sobre essa atitude de subserviência. Se Luxemburgo ou Leão abrem a boca para dizer alguma impropriedade (e o fazem com freqüência), o mundo desaba sobre eles. A Muricy tudo se perdoa. Dizem que seu mau humor é "engraçado". E, por engraçado, inofensivo.
Atenta, a diretoria do São Paulo pensa em faturar sobre essa característica do treinador e sua aceitação passiva pela mídia (por parte da mídia, não sejamos injustos). O raciocínio não deixa de ser ilustrativo. Hoje, tudo no futebol é marketing. Nada mais é natural, da entrevista coletiva do técnico à declaração do jogador no final da partida. Tudo o que pode soar como espontâneo é podado, como tem sido feito com o goleiro Marcos, do Palmeiras, um dos poucos que dizem o que pensam e sentem.
Pois bem, Muricy seria outra dessas exceções num mundo dominado pelo marketing e pela obsessão do politicamente correto. Espontâneo em sua ranzinzice. No mundo esterilizado do marketing, ele seria um dos ingredientes que adicionam algum sabor à receita. A ser vendido como espontâneo, natural, honesto, direto, sem papas na língua.
O que vem a ser uma contradição bem típica do nosso tempo: já que o marketing transforma tudo em uma pasta insossa e informe, um pouco de espontaneidade malcriada serviria como tempero. Ou seja, uma estratégia de marketing para combater a esterilização humana provocada pelo marketing.
Não é engraçado? Ou irônico?