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Opinião|'O Jantar' inclui reflexão ética em seu menu

Filme, baseado num bestseller holandês, discute questões como crimes cometidos por adolescentes e responsabilidade ética dos pais

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

 

Muitas coisas se conversam em torno de uma mesa de restaurante. De amenidades a golpes de Estado, de relações amorosas a falcatruas. E até mesmo sobre o que fazer dos malfeitos de adolescentes mimados. É deste último item que se ocupa O Jantar, do israelense radicado nos Estados Unidos Orem Moverman. O filme é adaptado do romance homônimo (The Dinner), do holandês Herman Koch.

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Dois casais se encontram num desses folclóricos restaurantes "nouvelle cuisine", tão pretensiosos e caros quanto vazios de substância. Enquanto a refeição, do hors d'oeuvre ao apéritif, vai se sucedendo, com as (in)devidas explicações do maître, surge o carro-chefe da noite: o que fazer com os filhos que, saídos de uma festinha, meteram-se não numa convencional trapalhada teen, mas num crime para valer?

A questão, logo se vê, apresenta um fundo moral. Quais as alternativas para os pimpolhos escaparem à responsabilidade? Haverá mesmo necessidade de que a proteção paterna e materna os coloque ao abrigo da lei? Devem ser punidos? Afinal, o que foi feito está feito e não pode ser reparado. Seria essa a saída satisfatória para todos? Ou poderíamos pensar numa "ética" menos oportunista e mais condizente com a noção de responsabilidade tanto humana como social?

Apenas por tocar nessas questões, o filme já teria interesse, em particular no Brasil, país em que a sucessão espantosa de delitos, delações, subornos e escândalos chegou a tal volume que parece provocar certo torpor generalizado, inibidor de qualquer tipo de discussão ética menos superficial.

Deixando de lado nosso pobre país, voltemos para o jantar norte-americano. O filme começa a se delinear em três linhas. Numa delas, vemos um grupo de jovens saindo de uma festinha de embalo. Beberam demais. Um deles passa mal. Andam pela rua em busca do que fazer. E encontram.

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Corte para os casais adultos. Ouvimos primeiro um solilóquio culto, de alguém nostálgico da Grécia antiga e da civilização romana. Paul (Steve Coogan) é um professor de História, casado com Claire (Laura Linney). São pais de um dos meninos vistos no primeiro segmento. O segundo casal exala poder e dinheiro. Stan (Richard Gere) é um deputado, candidato a governador nas eleições seguintes. Sua atual mulher é Kate (Rebecca Hall), com ares de aristocrata.

Os dois casais se encontram no tal restaurante da moda para, entre um prato e outro, discutir o que fazer com as "crianças", que andaram fora da linha e cruzaram uma fronteira perigosa.

O filme segue padrão já conhecido. Em situações de tensão, o verniz civilizatório se rompe e os mais baixos instintos, além de interesses de toda sorte, acabam por aflorar. Tínhamos alguma coisa desse tipo na peça de Yasmina Reza, O Deus da Carnificina, filmada por Roman Polanski, com dois casais bastante heterogêneos discutindo a conduta dos respectivos filhos.

Em O Jantar tudo se aprofunda um pouco. A começar pelo fato de que os dois homens são irmãos e antípodas. Um é um poço de frustração; o outro, um político bem-sucedido. As mulheres, que começam por dar provas de bom senso, por fim mergulham na irracionalidade geral ao verem as crias, e seus próprios interesses pessoais, em perigo. Nem por isso a discussão descamba para um previsível vale-tudo, pois surge uma inesperada luz ética em algum momento, para nuançar a barbárie que se anuncia.

Do ponto de vista cinematográfico, O Jantar revela-se meio indigesto. A mão pesa na hora de dirigir uma situação que tende quase que de forma inevitável para o teatral. A quantidade de flash-backs, que procura explicar o conjunto de fatos ao espectador, sobrecarrega um pouco o andamento de filme já com problemas de ritmo. Algumas alusões aos ressentimentos da Guerra Civil americana, a ferida máxima da nação, colocadas para acrescentar mais uma camada de sentido à história, parecem pouco conectadas ao presente.

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Essas ressalvas não significam que o filme não deva ser visto. Apesar da mão pesada do diretor, e de um certo didatismo, O Jantar funciona como estímulo para discussões fundamentais, em especial num momento em que reflexões éticas são tidas como supérfluas ou mesmo prejudiciais para o bom andamento dos negócios. O elenco funciona muito bem e os diálogos são afiados. É muito superior à média.

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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