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Cinema, cultura & afins

Opinião|O inferno dos livros

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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PARIS - O título é irônico, claro. Mas só quem é bibliófilo, como eu ou meu amigo Antero Greco, sabe a tortura que é ter uma montanha de livros à disposição sem poder comprá-los, por falta de grana ou de mero espaço para guardá-los numa já abarrotada casa. Ou simplesmente, quando se está viajando, por falta de lugar numa mala que já está pesando uma tonelada. Na vinda da Itália para a França, já fui parado no check-in por excesso de bagagem. Estava estourando em quatro quilos. Tive de tirar alguns volumes da mala e colocá-los na mochila do computador - e minhas costas pagaram o preço. Agora tenho de ajuntar a esse excesso italiano, os que já comprei em Paris. E olhe que estou me segurando como posso. Mas, como resistir?

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Eu já havia xeretado muito livro nos bouquinistas do Sena, pelos quais passo todo santo dia. No começo, confesso, fiquei meio decepcionado. Achei que eles haviam mudado de perfil e agora se dedicavam mais à venda de quinquilharias para turistas do que de livros, como indica o nome da sua profissão e tradição. Mas depois fui fuçando melhor e as coisas foram aparecendo por trás das bijouterias e imitações da Torre Eiffel. Como faz um devoto de Proust para resistir a um Jean Santeuil e um Contre Saint-Beuve, ambos com capa de couro e a meros 20 e poucos euros cada um?

Hoje de manhã saí com uma incumbência muito precisa: precisava encontrar uns livros de cinema, pois estes fazem parte do trabalho, não se trata portanto de pecado. Foi difícil encontrar, um deles, sobretudo, o badalado, entre cinéfilos, Voir et Pouvoir, de Jean-Louis Comolli. Comecei por uma vistosa livraria ao lado da Sorbonne, que não tinha, mas a dona, muito simpática, consultou seu catálogo para encontrar casas especializadas em livros de cinema.

Deu-me um endereço perto dali, rue Serpente (não é um belo nome de rua?). Acontece que a tal livraria havia mudado de especialidade e agora se dedicava apenas às BDs, as populares bandes déssinées, ou histórias em quadrinhos. Pensei no estrago que a loja não faria no orçamento do Jotabê Medeiros, mas não era o meu caso.

O dono me disse que a tal livraria de cinema havia mudado para a rue Monsieur Le Prince e lá fui eu. Não havia. Tinha outro do Comolli, junto com o Rancière, que, por via das dúvidas, comprei pois poderia não encontrar aquele que procurava. O lojista me disse que teria de encomendar o Voir et Pouvoir e poderia mandar para o Brasil, mas demorava e seria caro, pois o tijolo tem mais de 700 páginas. Indicou-me outras alternativas e lá fui eu atrás do diabo do livro, que é editado por uma casa pequena e por isso ninguém tem em estoque.

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Ou quase ninguém, porque agora acertei de primeira, numa bela livraria da rue des Écoles, que ainda tinha um exemplar disponível, a preço salgado, mas fazer o quê?

O problema, sabemos os viciados, não está nesse caso em que se sai para comprar um determinado livro. O drama é que, em busca de um determinado título, no trajeto ia passando em frente das pequenas livrarias (e no Quartier Latin, é uma atrás da outra), com seus incríveis saldos. Você nem precisa entrar, os livros estão lá expostos na calçada, para tentação do transeunte.

E então, como recusar um Jacques Le Fataliste, de Diderot, por 1,50 euro? Ou a poesia de Rimbaud pelo mesmo preço, o valor de um cafezinho? Assim não dá, né?

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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