Amigos e amigas, aqui o texto que escrevi para a seção Revista das Revistas, do suplemento Cultura, do Estadão:
Em sua coluna da Le Point, "Le Bloc-notes", Bernard-Henri Lévy faz um elogio do politicamente correto. Estranho que um francês, ainda que heterodoxo como BHL (na França, só se referem a ele pela sigla), adote essa moda tão americana? Bem, a verdade é que ele começa o texto se explicando a respeito dessa prática racionalizada do eufemismo. Claro, também acha engraçado que se censure Branca de Neve para não ferir suscetibilidades dos anões; também não entende que seja necessário orar a Deus Pai e Mãe para não incorrer na fúria das feministas. Apesar desses abusos, ele se pergunta se a língua não seria, afinal "o lugar no qual se sedimenta o arquivo do mal"? É uma pergunta. Que ele enlaça a outra: "Será que no sul dos Estados Unidos a criminalização de expressões racistas não ajudou a mudar as coisas? Será que uma dose de politicamente correto não seria bem-vinda em duas ou três frentes, pelo menos: o racismo, o anti-semitismo e, também, o reconhecimento dos genocídios?"
Esse último ponto era aonde BHL queria chegar: a proposta de lei francesa de tornar criminosa a negação do massacre dos armênios pelos turcos, em 1915, a chamada Lei Gayssot. Segundo Lévy, "uma lei sobre o genocídio de 1915 calaria as bravatas de turcos neofascistas, e não atrapalharia em nada as pesquisas históricas sobre o período". Esse é um dos pontos atacados pelos inimigos do "politicamente correto". Usando de eufemismos, ou de proibições verbais, a realidade dura das coisas seria jogada para debaixo do tapete das conveniências, contribuindo assim para sua eternização - o exato contrário do efeito pretendido.
Não é o que pensa BHL, que publicou recentemente seu American Vertigo (aqui no Brasil pela Companhia das Letras), um livro reportagem sobre os Estados Unidos, escrito à maneira de um Tocqueville contemporâneo, guardadas as imensas e devidas proporções.
No entanto, o que se lê na concorrente da Le Point, a L'Express, é que a medida, apoiada em massa pelos armênios na diáspora (leia-se: residentes na França) não encontra eco na comunidade que permaneceu na Turquia. Esta, pelo contrário, prefere a pedagogia à penalização. A advogada dos cerca de 700 mil armênios residentes em território turco, Luiz Bakar, afirma: "Somos unânimes, pois o texto é prejudicial ao diálogo entre a Armênia e a Turquia". A revista traz também o depoimento de Hrant Dink, diretor de uma semanário bilíngüe, escrito em armênio e turco, que foi processado por definir o massacre de 1915 como genocídio. Ele qualifica a lei de "imbecil". Segundo Dink, negar os fatos é ignorância e não se podem fazer leis contra a ignorância.
Como se vê, o procedimento politicamente correto às vezes desagrada até aos supostos beneficiários.