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Opinião|O cinema político morreu? Viva o cinema político

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Atualização:

Como meu amigo Luiz Carlos Merten previu em seu blog (aqui neste mesmo portal), a sessão de imprensa estava lotada para The Wind that Shakes the Barley, o novo filme de Ken Loach. Deve ser um dos mais procurados durante a mostra, que não seja por outro motivo porque venceu a Palma de Ouro deste ano em Cannes. Também não havia pouco público ontem para O Crocodilo, de Nanni Moretti, outro filme também político, mas à sua maneira. Quer dizer, na moda ou fora dela, ainda existem cineastas que se preocupam em usar a sua arte para discutir o que acontece na sociedade.

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No caso de Loach, isso é feito tomando um episódio da Irlanda dos anos 1920, quando começa a luta armada contra a ocupação inglesa no país. Filme maduro, tanto na reflexão como na dramaticidade, mostra como o opressor se vale da divisão interna entre os resistentes para se impor. É um belo e denso trabalho, que, claro, pode ser interpretado de várias maneiras mesmo porque não se propõe como parábola exemplar. Na minha primeira leitura talvez seu sentido mais urgente seja este: a necessidade de identificar aliados e não confundi-los com o outro lado. Loach, um cineasta de esquerda, identifica a sociedade como estruturada por seus conflitos e não por uma suposta harmonia entre diferentes, essa ficção liberal. Para ele, na Irlanda dos anos 20, como em qualquer outra parte nos dias de hoje, trata-se de buscar alianças para avançar em terreno dividido. Isso é política.

Já Moretti usa outros recursos e outra estética para analisar a Itália da era Berlusconi. No fundo, um dos temas recorrentes de Moretti tem muita coisa em comum com as preocupações de Ken Loach. Crítico impiedoso do governo de direita de Berlusconi, Moretti sempre reservou parte do seu arsenal para denunciar também a maneira como as esquerdas do seu país enfrentavam o primeiro-ministro de Forza Italia e sua estrutura de poder. Divididas, como quase sempre, de olho mais em seus interesses imediatos do que no bem do país. O Crocodilo é menos uma paródia da figura de Silvio Berlusconi (isso seria inócuo) e muito mais uma reflexão bem-humorada sobre os motivos que levam um país de cultura milenar a eleger um político como ele. Reflexão certeira, que engloba entre seus alvos a televisão, a imprensa, o cinema e os próprios intelectuais. E isso também é política.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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