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Cinema, cultura & afins

Opinião|O adeus a Guido Araújo

Morreu, aos 83 anos, o cineasta baiano Guido Araújo, criador da Jornada Internacional de Cinema da Bahia, importante evento que reunia diretores de todo o país e funcionava como foco de resistência na ditadura militar

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:
 Foto: Estadão

Notícias vindas da Bahia dão conta da morte de Guido Araújo, aos 83. Já sabíamos que andava doente e havia sido internado, mas sempre restava uma esperança. Em vão. Guido se foi e, com ele, toda uma parte da história do cinema brasileiro e baiano.

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Guido participou do núcleo original do filme Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, esse divisor de águas do cinema nacional que, em 1955, incorporava elementos do neorrealismo italiano ao tratamento brasileiro das suas gentes, suas grandezas e suas misérias. Esse passo foi fundamental para o surgimento, anos depois, do Cinema Novo. Guido esteve com Nelson também na produção de Rio Zona Norte, em 1957.

Fez seus próprios filmes, alguns deles no contexto da chamada Caravana Farkas, que prospectava uma realidade nacional desconhecida dos próprios brasileiros. Assina obras como A Morte das Velas do Recôncavo, Feira da Banana, Lambada em Porto Seguro, Raso da Catarina e Festa de São João no Interior da Bahia.

Guido completou sua formação na antiga Checoslováquia, onde morou por vários anos e lá conheceu Mila, sua mulher, companheira de toda a vida e mãe de seus filhos. 

Em 1972 Guido criou a Jornada de Cinema da Bahia, festival que, além de exibir e discutir filmes (de início apenas curtas-metragens), foi um pólo de contestação cultural à ditadura militar brasileira. Resistente, generosa, de esquerda, a Jornada incorporou mais tarde ao seu título o lema "Por um mundo melhor". Daí se vê quão pouco adaptada estava a Jornada à mesquinha realidade brasileira contemporânea.

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E, de fato, o evento foi murchando por falta de apoio e, com o envelhecimento do seu criador e diretor, acabou por deixar de existir. Uma homenagem à memória de Guido seria um grupo de pessoas de boa fé revitalizar a Jornada e trazer esse importante evento de volta à vida cinematográfica baiana e nacional.

Por sorte, em vida, Guido Araújo recebeu uma grande homenagem, a série de TV dirigida pelo cineasta Jorge Alfredo, O Senhor das Jornadas,que narra em cinco episódios de 26 minutos cada a trajetória do cineasta e criador da Jornada de Cinema da Bahia. A série foi exibida na TV Educativa da Bahia. O Senhor das Jornadas acompanha a trajetória de Guido desde os tempos em que integrou o Coletivo Moacyr Fenelon, ao lado de Nelson Pereira dos Santos, Jece Valadão, Zé Keti e Hélio Silva quando, juntos, realizaram Rio 40 Graus e Rio Zona Norte. Depois, registra a passagem de Guido pela Checoslováquia e, em seguida, a volta ao Brasil, o início da carreira de documentarista e a criação da Jornada.

Para contar a trajetória de Guido e, por extensão, do cinema baiano,Jorge Alfredo somou depoimentos dos cineastas Nélson Pereira dos Santos, André Luiz Oliveira, Sílvio Tendler, Otávio Bezerra, Edgard Navarro, Chico & Alba Liberato, Pola Ribeiro, Sofia Federico, José Araripe, Fernando Bélens, Roque Araújo e Roberto Duarte. Ouviu, também, o compositor Gerônimo, autor de Eu Sou neguinha e É D´Oxum e figura central em filme dirigido por Guido, além do líder comunitário Clarindo Silva, que comanda, no Pelourinho, a mitológica Cantina da Lua.

A série tem locações em várias cidades baianas (Cachoeira, Maragogipe, Maragogipinho, Castro Alves, Coqueiros, São Felix e Salvador) e no Rio de Janeiro. 

A série está aí, disponível para algum canal de TV inteligente que sinta a oportunidade de homenagear esse grande sujeito que hoje nos deixou.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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