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Opinião|Noite de Reis: drama familiar em tom menor

Em Noites de Reis, o núcleo temático é apresentado pela cantoria de um repentista na festa popular de folias de reis. Houve um incêndio, uma morte muito precoce e um luto difícil de ser feito pela dona da casa. Ela é a personagem principal, Dora (Bianca Byington), mulher de sorriso triste que mora com a filha Julia numa cidade histórica litorânea, Paraty, no caso. O marido partiu e dele não se tem notícia. Dora tenta reencontrar-se com a vida naquela cidade onde escolheu morar.

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

O traço distintivo deste terceiro longa-metragem de Vinicius Reis (de A Cobra Fumou e Praça Saenz Peña) é a delicadeza. Foi assim em seu primeiro filme, em tema ingrato, o Brasil na guerra, e continuou no segundo, registro terno, ficcional, dos personagens de classe média carioca na paisagem pouco usual fora da zona sul. Agora escolhe Paraty, num drama que tem por "coro" as tradições populares brasileiras e como centro um trauma familiar difícil de ser superado.

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A ausência e depois a presença do marido (Enrique Diaz) faz a narrativa oscilar, como um pêndulo. Na sua ausência, Dora sente-se tentada a reconstruir a vida afetiva, como parte de uma reestruturação geral. O desejo é um poderoso motor humano de regeneração - quando funciona. Mas a presença do marido é também a recordação da tragédia e das culpas a ela associadas. A morte de alguém muito próximo, e de uma criança, em particular, costuma produzir dores e culpas terríveis, uma ferida que não fecha, ainda que, objetivamente, ninguém seja responsável pelo que aconteceu. O psiquismo humano não julga com a mesma racionalidade que um tribunal, em tese, deveria julgar.

Noites de Reis trata da lenta dissipação, ou atenuação, dessa culpa. A maneira como os personagens da folia de reis abrem e fecham a história é prova da sabedoria dramatúrgica do filme. As atuações sensíveis, em especial dos protagonistas Bianca Byington e Enrique Diaz, mas também de Flávio Bauraqui, testemunham a determinação do diretor em não ceder à emoção fácil, e tão mais fácil numa narrativa familiar deste tipo.

Tudo isso faz de Noites de Reis um filme na contramão da dramaturgia brasileira, mais propensa ao exagero que ao minimalismo. Sem caras e bocas, sem gritos ou gestos largos, permite-se que aflore uma emoção mais calma e genuína. Sente-se, porém, que, nesse exercício de contenção, alguma coisa foi perdida.

Quando se doma demais a emoção, corre-se o risco de abafá-la. Tudo é questão de medida.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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