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Opinião|Neo-realismo: raízes do cinema brasileiro moderno

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Atualização:

Amigos, texto meu de hoje no Caderno 2 sobre a mostra do cinema neo-realista que está sendo realizada, a partir de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil.

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Escola italiana do pós-guerra em debate CCBB realiza, a partir de hoje, ciclo de filmes e discussões sobre o neo-realismo

Luiz Zanin Oricchio

Um movimento cinematográfico pode durar o que duram as rosas, apenas uma estação. Ou pode durar para sempre, se dialogar com o futuro, influenciar novas gerações, inspirar outros cineastas e multiplicar-se. Qual será o caso do neo-realismo, o influente movimento italiano do após-guerra, que tem em Roma, Cidade Aberta (Roberto Rossellini, 1945) seu filme-símbolo, ao mesmo tempo um iniciador de tendência e um definidor de poética? É o que tenta discutir o ciclo do Centro Cultural Banco do Brasil Neo-Realismo - Poesia do Real, que começa hoje.

Com um número previsto de 36 títulos, a mostra terá duração de um mês e contará também com mesas-redondas de especialistas para debater o movimento e, talvez, situá-lo no quadro da cinematografia atual. O ciclo começa com os clássicos neo-realistas, como o próprio Roma, Cidade Aberta, mas também os outros filmes 'de guerra' de Rossellini como Paisà (1946) e Alemanha, Ano Zero (1948). Essa trilogia forma o, digamos assim, núcleo duro da 'poética' neo-realista. A não ser que se recue a 1942 e se coloque em Ossessione, de Luchino Visconti, a pedra fundamental do edifício neo-realista na Itália.

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Há quem defenda essa tese, e ela nada tem de absurda. Adaptando o romance do norte-americano James Cain, The Postman Always Rings Twice, Visconti dava nova direção ao cinema de seu país - afastava-se da estética dominante da era fascista, do chamado 'cinema dos telefones brancos', estetizada, distante da realidade, e ambientava seu drama entre gente do povo, com seus hábitos, seus costumes, seu sotaque, seu modo de ser. Era um estilo que se anunciava.

Mas, claro, era com os filmes 'de guerra' de Rossellini que tudo tomava uma forma facilmente reconhecível. Filmes de produção barata, ambientados na rua, valendo-se muitas vezes (mas nem sempre) de atores não-profissionais, com uma ótica clara de esquerda, que questionava a fundo a maneira como a Itália havia entrado na guerra e o preço que estava pagando pela opção. Roma, Cidade Aberta fala disso; Paisà, com seus seis episódios, acompanha a libertação italiana do Norte ao Sul do país. E Alemanha, Ano Zero visita o outro país derrotado e o vê pelos olhos de uma população faminta e humilhada, em que até uma criança pode desistir de viver diante do desespero.

Há os outros filmes clássicos do período, como A Terra Treme (1948), de Luchino Visconti, Vítimas da Tormenta (1946), Ladrões de Bicicleta (1948), e Umberto D, os três de Vittorio de Sica. São filmes que também fazem parte do núcleo duro neo-realista. Apresentam uma visão generosa em relação ao povo, adotam sua maneira de falar e sentir. E consideram que seus problemas devam ser os temas centrais de um cinema que se queira levar a sério, do ponto de vista social: a infância abandonada, o desemprego, a velhice desamparada.

DIÁLOGOS

A mostra inova no sentido de pesquisar os possíveis desdobramentos da estética, ou estilo, se preferirem, neo-realista em outros cantos do mundo, América Latina em particular. Acontece que muitos dos cineastas latino-americanos, que fizeram sucesso nos anos 50 e 60, estudaram em Roma, no Centro Sperimentale, e lá beberam fartamente na fonte neo-realista. Entenderam que aquele era o cinema adequado para os seus países, de fortes contradições sociais, em certo sentido muito semelhantes àquelas condições inglórias da Itália saída da guerra. Eram brasileiros, cubanos, argentinos, venezuelanos, bolivianos. Gente que ia lá estudar. Ou se deixava influenciar pelas idéias dos que lá haviam estado.

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No Brasil as idéias neo-realistas começam a penetrar através de Alex Viany, com Agulha no Palheiro (1953) e, sobretudo, Nelson Pereira dos Santos com seus seminais Rio 40 Graus (1955) e Rio Zona Norte (1957).

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Esses filmes iriam preparar terreno para a eclosão do Cinema Novo, pouco depois, que seria uma maneira de adotar o neo-realismo como ponto de partida, mas ao mesmo tempo superá-lo em outra forma, que guarda a marca de origem e dá um passo adiante. Assim, por exemplo, Porto das Caixas (1962), de Paulo César Saraceni, tem um tanto de Ossessione e outro tanto que fica por conta do estilo do cineasta e da ambientação brasileira. Da mesma forma que outros filmes brasileiros que iriam explodir nos primeiros anos da década de 60, como Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Os Fuzis, de Ruy Guerra. Chamá-los de neo-realistas seria bobagem. Como seria tolo negar seu diálogo com aquele movimento cinematográfico italiano.

Em outras partes também o neo-realismo foi deitando raízes. Na Argentina, por exemplo, está na origem da Escola Documental de Santa Fé, que tem em Fernando Birri seu nome mais conhecido. Birri é autor de um curta genial, Tiré Dié (1960), e do longa Los Inundados (1961), ambos claramente formas argentinas de dialogar com o neo-realismo. Birri também foi muito influente no Brasil, o que era outra via para o neo-realismo se realimentar entre nós, latino-americanos preocupados com a questão social de nossos países.

Também entre os cubanos, como Tomás Gutiérrez Alea e Julio Garcia Espinosa, o neo-realismo funcionou como fermento e inspiração para um novo cinema. De Espinosa poderemos ver El Mégano (1955), um curta-metragem fundador que realizou em parceria com Alea, além do longa O Jovem Rebelde (1962). E de Alea, Histórias da Revolução (1960), relato do movimento que derrubou o regime de Fulgêncio Batista, com episódios filmados na Sierra Maestra, foco mítico da Revolução Cubana.

Com tal amplitude, o ciclo pode permitir uma revisão em regra da dimensão e desdobramentos dessa escola cinematográfica tão influente em sua época. Será assim ainda hoje? Essa é uma pergunta que fica por responder.

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(SERVIÇO)Olhares Neo-Realistas. Hoje, 14h30, Obsessão (1943), de Luchino Visconti; 17 h, Toni (1935), de Jean Renoir; 19 h, Aniki Bóbó (1942), de Manoel de Oliveira. Amanhã, 15 h, Roma, Cidade Aberta (1945), de Roberto Rossellini; 17 h, Paisà (1946), de Roberto Rossellini; 19 h, A Terra Treme (1948), de Luchino Visconti. C entro Cultural Banco do Brasil. Rua Álva-res Penteado, 112, 3113-3651. 3.ª a dom. R$ 4 (grátis para os filmes em DVD). Até 28/1

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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