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Opinião|Mundo Grua: retratos da vida operária

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Com a exibição de Mundo Grua, o Canal Brasil (canal 66 da NET) volta a programar produções sul-americanas na sessão chamada Cone Sul. Nessa nova fase, serão 26 títulos de diretores como Maria Luisa Bemberg, Diego Lerman, Juan Bautista Stagnaro e Eliseo Subiela, entre outros.

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Mundo Grua, de Pablo Trapero, é um excelente começo, ou recomeço, dessa série sul-americana incluída no canal destinado a produções brasileiras. É o longa-metragem de estréia de um dos melhores diretores da nova geração argentina. Os que costumam acompanhar os (poucos) filmes do país vizinho que chegam ao Brasil sabem que Trapero não é um desconhecido. Dois dos seus filmes já estrearam no circuito comercial, O Bonaerense - o Outro Lado da Lei e Família Rodante. No Festival de Gramado (de 12 a 18 de agosto) será apresentado seu novo longa, Nascido e Criado.

À época do lançamento, Mundo Grua foi saudado como a estréia de um jovem promissor. Fez o circuito dos festivais, ganhou prêmios, inclusive no importante Festival de Veneza. Aliás, faz todo sentido ter sido reconhecido primeiro na Itália. Não por nada, Mundo Grua foi visto como uma espécie de releitura sul-americana e tardia do neo-realismo, até hoje a mais influente "escola" do cinema italiano. Dos frutos plantados pelos neo-realistas vieram os grandes diretores e filmes dos anos 60 e 70, quando a Itália, com Antonioni, Fellini e Visconti, todos em pleno vigor criativo, fazia o melhor cinema do mundo. Linhas de influência tão marcantes não se esgotam e, de vez em quando, renascem em outras partes do mundo, como na Argentina, umbilicalmente ligada à Itália.

Tal como nos filmes neo-realistas, o que se tem aqui é um retrato do mundo operário. O homem do povo, o trabalhador, é seu herói solitário. Ele não participa de grandes aventuras, mesmo porque seu desafio é tão somente sobreviver em meio à selva social. Nos filmes italianos do após-guerra, havia a luta do indivíduo nas condições precárias de um país derrotado e destruído. Na Argentina de 1999 é aquela terra devastada por dez anos de governo Menem. Quase um após-guerra.

Portanto, território nada fácil para o cinqüentão Rulo (Luis Margani), que foi baixista de uma banda de rock nos anos 70 e agora tenta ganhar o pão operando um guindaste (daí o título) em Buenos Aires. Mas um mundo em crise manda as pessoas para lá e para cá, ao sabor da oferta, precária, de empregos. E Rulo seguirá sua sina atrás de trabalho, onde ele estiver disponível. Enquanto isso, a vida se escoa, ele tem de sustentar um filho adolescente, conhece uma vendedora de sanduíches, etc. Uma vida e apenas isso. Ou melhor, tudo isso.

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O mais interessante é que Trapero jamais trapaceia com a solução fácil do melodrama. Pelo contrário, prefere o tom seco, de inspiração documental, filmado em preto-e-branco. É um filme no qual as imagens valem muito. Começa com a câmera filmando a estrutura de um guindaste enorme, de baixo para cima. É lá no topo onde Rulo irá encontrar seu primeiro trabalho na história. Mas a angulação enfatiza o tamanho descomunal da máquina. Rulo, que pode se julgar um deus quando está nas alturas e vê a cidade de cima, logo se dá conta do engano. Nessa estrutura, ele é uma formiguinha. Para que se redescubra sua humanidade, será preciso olhá-lo de outro ângulo. É o que faz este pequeno grande filme.

(Estadão, Caderno Cultura, 22/7/07)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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