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Cinema, cultura & afins

Opinião|Mulheres Apaixonadas

O diretor inglês Ken Russell (1927-2011), morto em 27 de novembro, teve com Mulheres Apaixonadas o seu primeiro "sucesso de escândalo", como os franceses se referem a obras explosivas pelo lado polêmico. Revendo-se o filme, lançado agora em DVD, podem-se compreender os motivos. Tanto quanto uma adaptação deva ser fiel ao seu original literário, Mulheres Apaixonadas o é - pelo menos em relação ao espírito desta que é uma das obras mais conhecidas de D.H. Lawrence (1885- 1930).

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Para compreendê-la, precisamos nos lembrar do quanto era puritana e falsamente moralista a Inglaterra do tempo de Lawrence. Questões da sexualidade eram empurradas para baixo do tapete e, quem se atrevia a trazê-las de volta à sala de visitas, como era o caso de Lawrence, via-se logo execrado pela moral média. Ele falava dessas coisas que não se dizem nos bons salões. No limite, se pensam, mas em nome do bom gosto, devem ser caladas. Lawrence punha tudo a nu - com a devida licença da expressão.

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Russell, em plena explosão dos costumes do final dos anos 1960, começo dos 1970, retoma o texto e sua têmpera explosiva. Não traz a história para a o seu tempo contemporâneo, mas a deixa lá atrás, nos anos 1920. Faz um filme de época para contar a história de duas irmãs que se relacionam com dois amigos íntimos.

O cinema de Russell, já se sabe, é super saturado. De cores e de interpretações intensas, beirando o exagero; às vezes o grotesco. Não chega aqui ao paroxismo de Os Demônios, baseado em Aldous Huxley, mas passa perto. Mulheres Apaixonadas é intensamente erótico, paradoxal, assertivo. Por baixo da chamada fleuma britânica - um clichê antropológico como outro qualquer - encontra uma sociedade em brasas. Pegando fogo. Literalmente.

Glenda Jackson interpreta Gudrun, essa escultora fogosa. Sua irmã é Ursula (Jennie Linden), uma professora bastante mais convencional, ma non troppo. As duas se relacionam com dois amigos íntimos, Gerald (Oliver Reed) e Rupert (Alan Bates). Há, em especial por parte de Gerald, um desajuste em relação ao amor e ao desejo. Por vezes parece apaixonado por Gudrun; noutras, não pode amá-la. Mas também não suporta vê-la com um rival. O bicho homem é um paradoxo. Gerald encarna essa contradição. Do ponto de vista feminino, Gudrun é essa mesma ambivalência, simétrica, que vai da vontade de estabilidade à sua negação, o desejo da aventura. Essas tensões tornam o relacionamento explosivo.

Mas, claro, não são tanto as ideias em debate que fizeram a fama deste filme, mas algumas cenas francamente ousadas para a época, embora hoje, com a banalização da sexualidade audiovisual, não pareçam tão excepcionais assim. Mas, pela intensidade com que são vividas, em especial por Glenda Jackson e Oliver Reed, o ator-fetiche de Russell, ainda nos impressionam.

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O filme ficou famoso também por uma longa sequência de luta entre os dois homens, completamente nus. Cenas de um realismo extremo, uma violência que confina com a ternura, em demonstração de amizade viril paradoxalmente marcada por uma pegada homoerótica. Se deu o que falar em 1969, essa sequência atravessa o tempo e se revela muito forte ainda hoje. Não envelheceu.

Como, de maneira geral, não parece de maneira nenhuma antiquada essa versão bastante calorosa do clássico de D.H. Lawrence. Talvez seja um dos pontos sólidos da carreira de Ken Russell, um contestador que teve seus altos e baixos, mas nunca deixou sua lâmina sem o gume afiado. Esteticamente, o filme não parece datado. E suas ideias continuam valendo. Ambientado na Inglaterra conservadora da década de 20 do século passado, ainda têm o que dizer para os pseudoliberais do início do século 21.

(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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