Luiz Zanin Oricchio
27 de janeiro de 2021 | 11h26
Muito bonito o longa-metragem Kevin, de Joana Oliveira, concorrente da seção Aurora do festival mineiro.
A arte da crítica (1). No ventre da baleia
Num registro de autoficção, Kevin registra a visita de Joana à sua amiga, que mora em Uganda. Elas se conheceram 20 anos antes, na Alemanha, e não haviam mais se visto pessoalmente. Joana atravessa um período difícil na vida. Perdeu um filho, e o pai, que ela adora, está muito doente. As duas mulheres se aproximam dos 40 anos, idade tida como crítica (para homens e mulheres).
O mundo feminino dá o tom nesse reencontro e no próprio projeto do filme. Se Joana perdeu um filho, Kevin é mãe de três. As histórias passadas das duas vão se desvelando em conversas, que nada têm de linear. Elas obedecem ao tom errático de todas as conversas, com idas, vindas e digressões; projetos para o futuro e evocações do passado. Problemas experimentados e sacadas de sabedoria obtidas pela experiência acumulada.
Muito elaborado do ponto de vista imagético, o longa flui sereno, com alguns pontos altos de emoção. O pico talvez esteja numa espécie de monólogo da africana Kevin sobre o racismo experimentado na Europa. O racismo que ela sentiu, de forma velada, não mais explícita, mas tão forte, marcante e dolorido quanto antes.
Dessa forma, o filme, que toma como mote o reencontro entre velhas amigas, assume outras ressonâncias. Fala do fim da juventude e da passagem para a vida adulta; do significado de ser estrangeira (uma africana, outra sul-americana) no continente europeu; do sentido de ser mulher em sociedades ainda muito machistas. A forma como o faz – discreta, sem agressividade inútil, sem gritar, mas também sem concessões – torna a obra muito forte, exatamente porque traçada em tom baixo e sutil. Um belo filme.
Kevin e toda a programação podem ser vistos em mostradetiradentes.com.br