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Opinião|Mostra 2021: Marinheiro das Montanhas

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Marinheiro das Montanhas, de Karim Aïnouz, é um filme de reencontro. Ou melhor, de tentativa de reencontro. Seu início e final são simétricos, como em espelho, filmados de um navio que sai de Marselha em direção à Argélia, no começo, e de Argélia em direção a Marselha, no fim. 

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Filme de viagem, por certo. Narrado em primeira pessoa, como aquela maravilha Viajo porque Preciso, Volto porque te Amo, parceria de Karim e Marcelo Gomes. 

Marinheiro não admitiria parceria. É um filme de busca, pessoal e intransferível. Busca de uma família ou, ainda, busca de raízes. Karim é filho de mãe brasileira e pai argelino. Eles se conheceram nos Estados Unidos, onde ambos estudavam. Ela voltou grávida ao Brasil, ele retornou à Argélia, país que havia conseguido a independência da França numa das guerras de liberação épicas do século 20. Quem quiser saber mais, veja o clássico de Gillo Pontecorvo, Batalha de Argel. 

E é em Argel onde Karim desembarca com sua câmera. Filma lugares e pessoas, muitas vezes sob olhares desconfiados. Mas estes tornam-se cúmplices quando ele se diz brasileiro, filho de pai argelino. A identificação é imediata: perguntam se ele conhece Zinedine Zidane. Karim não é exatamente um fã do futebol. Mas a marca está lá. Brasil, país do futebol. Zidane, francês de origem argelina, orgulho do país. 

Há, na câmara de Karim, esse sentido de investigação que escapa ao turista. Essa disposição em perder-se no que é desconhecido para depois se reencontrar. Assim, erra o caminho de volta ao hotel e depara-se com uma praça onde acontece uma reunião de jovens. "Não teria encontrado esse local se tivesse acertado o caminho para o hotel", diz. Perder-se, reencontrar-se, perder-se de novo - esse o tom do filme. 

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É assim, em especial, na pequena cidade das montanhas onde nasceu seu pai. Logo ele se torna um acontecimento local. O artista que veio do estrangeiro para conhecer suas origens. Aparecem os parentes, os velhos, os moços, os primos. Em especial uma garota, Inês. Ele sente que talvez tenha cruzado o Mediterrâneo apenas para conhecer essa moça. Tudo é mistério. 

O filme evolui assim, como em busca de uma epifania, que acaba chegando. Da maneira inesperada, como chegam as epifanias, essas iluminações de que falava Joyce tomando de empréstimo a palavra de origem religiosa. Às vezes elas são tão luminosas que chegam a cegar.

 Assustam. De maneira que Karim sai de madrugada, às escondidas, sem se despedir de ninguém, e deixa tudo para trás. 

A viagem é uma espécie de libertação. Os países libertam-se de uma maneira, as pessoas, de outra. O vínculo com a Argélia, a valentia de sua revolução, e com o Brasil, hesitante (para dizer o mínimo) diante de um regime criminoso, fecham esse estranho círculo de reflexões sobre a viagem de reencontro e despedida. 

Um brilhante filme este Marinheiro das Montanhas. Convida-nos a navegar. 

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Todas as informações necessárias sobre horários e compra de ingressos estão disponíveis no site da Mostra: https://45.mostra.org/

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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