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Opinião|Mostra 2021: Madeira e água

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Madeira e Água - eis aí um documentário diferente, que, como seu homólogo chileno, o ótimo Agente Duplo, lança um olhar original sobre as pessoas da terceira idade. 

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No caso, trata-se de Anke Bak, que se aposenta do trabalho em sua pacata cidadezinha na Floresta Negra. Ela planeja uma reunião de família na casa de praia, mas fica sabendo que o filho mais velho, que vive e trabalha em Hong Kong, não pode vir. Decide, então, visitá-lo. 

Ao chegar em Hong Kong, depara-se com alguns contratempos. A cidade está tomada por manifestações. Precisa passar a primeira noite num hotel e não há quarto individual disponível, pois a cidade está lotada. Deve dividir o quarto com outras viajantes, o que dá lugar a uma das cenas mais interessantes do filme. Depois descobre que o filho não está em Hong Kong. Teve de viajar a serviço, e deixou a chave do apartamento com o porteiro. Outro acaso feliz. 

A verdade é que os problemas dão a Anke uma abertura inesperada. O que seria uma viagem rotineira, transforma-se numa espécie de aventura, na qual ela, em paz com a vida, e muito despachada, sai-se muito bem. O porteiro do prédio revela-se um amigo e a leva para almoçar. Dá dicas preciosas, como um lugar no parque para treinar tai-chi. 

Anke flana por Hong Kong com a melhor disposição daqueles que passeiam e são curiosos - meio ao acaso, sem rumo, descobrindo lugares e pessoas. Passeio de descoberta. Ela não fala chinês, eles não falam alemão, mas Anke fala inglês e assim se vira. Vai conhecendo gente e chega mesmo a fazer um mapa astral com um adivinho que se serve de um intérprete para se comunicar com clientes estrangeiros. Depois, esse intérprete se oferece a levar a senhora para casa, e nasce outra amizade.

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Madeira e Água, dirigido por Jonas Bak, poderia ser apenas um filme de viagem, mas vai muito além. Anke é carismática, inteligente, lança um olhar bondoso sobre o mundo e este parece retribuir. Acima de tudo, não julga e se dispõe a experimentar o diferente sem preconceitos, a provar daquela dobra de realidade que não faz parte da sua formação e experiência cotidiana. Encontra pontos em comum entre ela e esses diferentes porque, afinal, todos nos entendemos naquilo que nos faz humanos. 

Enfim, ela faz a experiência integral da viagem, esse descentramento do eixo habitual que nos abre novas possibilidades de compreensão. Não é pouca coisa. Mas tornou-se rara. Em geral, essa experiência é o que poderíamos chamar de viagem anti-turística, por sua falta de planejamento e abertura ao acaso. Ela faz o contrário do personagem do livro de Anne Tyler, O Turista Acidental (filmado por Lawrence Kasdan), que escreve manuais para pessoas que detestam viajar e são obrigados a fazê-lo por razões profissionais. Buscam, no estrangeiro, tudo que lhes é familiar em seu país de origem. Fazem viagens imóveis. Anke, pelo contrário, abre-se ao estranhamento. Sai recompensada. E nós também. 

Todas as informações necessárias sobre horários e compra de ingressos estão no site da Mostra: https://45.mostra.org/

 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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