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Opinião|Mostra 2020: Mães de Verdade

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Deve haver uma grande arte de construção e muita sensibilidade para que Mães de Verdade, da japonesa Naomi Kawase, não se converta em um melodrama convencional.

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O tema é delicado: adoção. E mais delicado ainda se torna quando a mãe biológica decide reivindicar direitos, legítimos ou não, sobre a criança adotada.

O filme começa em tom baixo, com uma questão sutil. Há uma queixa da escola de que um garotinho empurrou outro e o feriu enquanto os dois brincavam no recreio. 

Passa-se, então, ao cotidiano do casal, pais do menino "acusado" de agressor. Tudo é de uma delicadeza extrema na maneira como a queixa é acolhida, e no tratamento gentil que pai e mãe reservam ao filho. Uma pequena nota dissonante se ouve quando a mãe do menino agredido pede uma reparação em dinheiro pelo ferimento do filho. É como um lembrete de que vivemos num mundo em que a "ética" subjacente é a de que se deve tentar sempre levar alguma vantagem sobre o outro. Mas é apenas um lembrete, um sinete longínquo a assinalar a realidade. 

Mas a coisa continua e passamos, em flashback, a ver como o casal se forma e, depois, as infrutíferas tentativas da mulher engravidar. Após a via-crúcis pelos médicos, decidem-se pela adoção. 

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Em outro flashback, começamos a acompanhar a vida de um casal bem mais jovem, adolescente na verdade, que estará na origem daquela criança que será adotada pelo primeiro casal. 

As linhas narrativas vão se tecendo pelas mãos suaves de Naomi Kawase ao longo de 140 minutos que escorrem sem força. Há uma notável nitidez nesse cinema que busca pela sutileza dos sentimentos em jogo. As imagens são claras, límpidas, embora falem, todo o tempo, em ambiguidades afetivas. São imagens que fazem bem aos olhos e falam aos sentimentos. 

Nesse fluir, as questões maiores são expostas: o que é ser mãe? Quem é a mãe, a que cria ou a que gera? Ou ambas? 

O filme é lindo. Digno de uma cinematografia que tão bem sabe explorar as questões de família - de Ozu a Kore-Eda. 

Como vocês sabem, os filmes da mostra estã sendo exibidos por streaming, com exceção de algumas exibições em drive-in. Para informações de programação e compra de ingressos, acesse www.mostra.org.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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