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Opinião|Morreu o grande ator francês Michel Piccoli

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Com Brigitte Bardot em O Desprezo, de Jean-Luc Godard Foto: Estadão

Foi-se Michel Piccoli, aos 94 anos. Ator gigante do cinema francês e mundial, fez papéis inesquecíveis em filmes de Jean-Luc Godard (O Desprezo), Luis Buñuel (A Bela da Tarde), Manoel de Oliveira (Vou para Casa) e Nanni Moretti (Habemus Papam). 

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O cinéfilo vai lembrar dele como o marido de Brigitte Bardot em O Desprezo, considerado senão o melhor pelo menos o mais belo dos filmes de Godard. É tirado do romance homônimo de Alberto Moravia. Piccoli faz o roteirista de um filme a ser rodado na Ilha de Capri por Fritz Lang, que interpreta a si mesmo. Em meio a essa metalinguagem, surgem o talento de Piccoli e a força imagética de Brigitte. 

Lembremos o perverso amigo de Catherine Deneuve em A Bela da Tarde. Ele é um amigo do marido de Deneuve e a descobre no bordel, por acaso. Piccoli faz uma figura maligna, fria, bem à maneira do seu rigor aristocrático e discreto de atuar.  

Trabalhou várias vezes com Buñuel, a primeira em La Mort en ce Jardin, em 1956, depois em Diário de uma Camareira (com Jeanne Moreau), em 1964, e também em A Via Láctea, O Discreto Charme da Burguesia e Esse Obscuro Objeto do Desejo.

Com Marco Ferreri, fez Dillinger Está Morto e o filme-escândalo A Comilança, libelo contra a sociedade de consumo, que, gulosa e insaciável, devora a si mesma. Uma obra para revermos nesta fase de reflexão forçada pela pandemia. Para pensarmos sobre o nosso modo de vida e aonde ele nos pode conduzir.

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Integrou o elenco de Topázio (1960), de Alfred Hitchcock e esteve com Louis Malle em Loucuras de Verão (1990).

Há um filme notável de Jacques Rivette, A Bela Intrigante (1991), adaptado de uma novela de Balzac, A Obra de Arte Desconhecida, no qual Piccoli faz o artista que pinta obsessivamente o retrato de sua modelo, vivida por Émmanuelle Béart. Dura quatro horas, e é um profundo estudo sobre a criação artística e o mistério da beleza.

Já idoso, Piccoli compõe o comovente personagem desenhado por Manoel de Oliveira em Vou para Casa (2001). Um idoso prostrado, incapaz de se decidir se amarra ou não os cordões dos sapatos. Como se nesse gesto estivesse toda a metafísica da vida. Com Oliveira fez também um extraordinário Belle Toujours (Sempre Bela, 2006). Na ideia genial de Oliveira, promove-se o reencontro, 38 anos depois, entre os personagens de Catherine Deneuve e Piccoli em A Bela da Tarde. Piccoli vive ele mesmo, já velho. Catherine recusou o papel e foi substituída por Bulle Ogier. Ao longo de um jantar reservado, a dupla revive a juventude e a estranha situação que experimentaram naquela história clássica de Joseph Kassel adaptada por Luis Buñuel. Filme de uma sutileza incrível, com dueto magnífico de ator e atriz. Música de câmera. 

Mais recentemente, Piccoli fez um extraordinário papel como papa em crise de Habemus Papam (2011), do italiano Nanni Moretti. Eleito em Roma para assumir o trono de São Pedro, o novo pontífice hesita e entra em pânico ao ter de falar para a multidão reunida na praça. Moretti apresenta um papa humanizado e Piccoli veste o manto papal com toda classe e sutileza de que era capaz. 

Seus últimos trabalhos foram em Vocês Ainda Não Viram Nada (2012), de Alain Resnais, Holy Motors (2013), de Leos Carax, e Linhas de Wellington (2013), de Raúl Ruiz e Valeria Sarmiento.

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Michel Piccoli nunca foi um galã convencional; defendia-se com seu talento. Minimalista, exata, sua interpretação torna-se marcante pela concisão de gestos, expressões e voz. Foi desses atores que, pela força da personalidade, tornam-se co-autores das obras de que participam. Enfim, um grande ator se faz pela soma do seu talento e acerto de escolhas artísticas. Talento é algo que se tem e se lapida. A escolha de trabalhos depende da cultura e das circunstâncias. Piccoli era culto e teve a sorte de ser contemporâneo de alguns diretores geniais, uma geração excepcional que não se repete a toda hora.

Segundo o jornal francês Libération, a notícia da morte de Piccoli foi dada pela família e transmitida à imprensa por por Gilles Jacob, ex-presidente do Festival de Cannes e amigo do ator: "Michel Piccoli faleceu 12 de maio, nos braços de sua mulher Ludvine e seus filhos Inord e Missia, de consequências de um acidente vascular cerebral".   

Teve uma notável e longa carreira. Deixa marca indelével na história do cinema mundial.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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