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Cinema, cultura & afins

Opinião|Meus filmes estrangeiros preferidos de 2019

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Atualização:
Antonio Banderas, alter ego de Pedro Almodóvar em Dor e Glória Foto: Estadão

Falar dos filmes que mais se destacaram durante o ano é um pouco como ver os melhores momentos de um jogo de futebol. Podemos deduzir, pela qualidade e quantidade de gols e lances agudos, se foi ou não um bom jogo. Mas nos escapa a visão de conjunto que só o acompanhamento dos 90 minutos proporciona. Da mesma forma, apenas os que seguem com regularidade os lançamentos cinematográficos semana a semana sabem quanto de rotineiro e mesmo de medíocre foi oferecido aos espectadores ao longo do ano. De qualquer forma, podermos selecionar entre as centenas de estreias, entre cinco a dez grandes títulos é já uma vitória. Significa que o cinema de excelência continua a ser feito pelo mundo. E, mais importante, continua a chegar ao Brasil, mesmo neste tempo de agudo desprezo pela inteligência.

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Há motivo de alegria ao vermos diretores veteranos e consagrados produzindo em grande forma e apresentando filmes excepcionais. É o caso do espanhol Pedro Almodóvar, com seu Dor e Glória, obra memorialística, de balanço de carreira e vida, depositando em em seu alter ego (Antonio Banderas) as inquietações estéticas e existenciais de toda uma vida. Ver este filme, que muitos chamaram de "81/2 de Almodóvar", em alusão à obra-prima de Fellini, é um verdadeiro regalo para o cinéfilo. 

Também é o caso de Martin Scorsese e seu magnífico O Irlandês, retorno ao tema da máfia, aliado agora à misteriosa morte do líder sindical Jimmy Hoffa. Scorsese reúne três atores em estado de graça - Al Pacino, Robert De Niro e Joe Pesci - para nos mostrar esse retrato da América pelo viés do crime organizado, que não difere tanto assim das manobras de poder do establishment. Ponto para a Netflix, que repete o triunfo conseguido ano passado com o também extraordinário Roma, de Alfonso Cuarón. 

O outro veterano em destaque é o mitológico Jean-Luc Godard, a face mais radical da nouvelle vague e que, do seu retiro na Suíça, aos 89 anos, manda ao mundo este também extraordinário Palavra e Imagem. Mais uma reflexão fílmica de Godard, que vem fazendo um cinema cada vez mais filosófico, tentando entender os poderes e os limites das palavra e das imagens, articuladas às mazelas do mundo. Godard não oferece respostas prontas, mas leva o espectador à reflexão e ao exercício da dúvida. Passos sem dúvida árduos, porém indispensáveis no caminho da compreensão deste mundo maluco em que nos foi dado viver. 

Da Coreia (do Sul) nos veio este inquietante Parasita, vencedor do Festival de Cannes, e talvez o mais original longa-metragem do ano. O diretor Bong Joon Ho nos leva a questionar a disparidade de classes sociais de uma forma muito original, quando uma família de desprivilegiados se infiltra na casa de uma família muito rica em Seul. Sem esquemas sociológicos, mas com muita habilidade, Bong nos convida a refletir sobre uma questão incômoda: numa sociedade de classes, quem parasita quem? As (possíveis) respostas não são nada cômodas. 

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2019 nos apresentou ainda o excepcional A Árvore dos Frutos Selvagens, do turco Nuri Belgi Ceylan. O jovem Sinan (Dogu Demirkol) volta para sua aldeia natal e deseja ser escritor. Sua maior aspiração é publicar o primeiro livro, mas se defronta com uma série de dificuldades. Um filme que é homenagem à vida e à literatura - e também ao cinema - com suas imagens fantásticas e longos diálogos, nos quais nenhuma palavra parece dispensável. Grande filme de um autor muito enraizado em sua cultura - e, portanto, universal. 

Foi também o ano em que tivemos um excelente filme colombiano, Pássaros de Verão, de Cristina Gallego e Ciro Guerra, mostrando como a chegada do narcotráfico altera a conformação cultural de famílias indígenas do interior do país. Uma espécie de Poderoso Chefão com características próprias da terra de Gabriel García Márquez, na qual o realismo fantástico parece fazer parte do imaginário coletivo. 

O cinema francês teve boa presença em nossas telas e vários títulos mereceriam destaque. Nenhum mais que Varda por Agnès, comovente despedida e testamento da grande cineasta belgo-francesa, morta este ano. Relato memorialístico e inventivo, no qual a proximidade da morte em nada afeta o rigor e a inventividade. 

Também a produção italiana chegou com número de filmes razoável e de boa qualidade. O destaque fica para o intenso e violento Dogman, de Matteo Garrone, um dos tantos filmes-sintoma da revolta (não da revolução) dos despossuídos mundo afora. 

Na mesma categoria poderia se alinhado o surpreendente Coringa, de Todd Phillips, com a estupenda atuação de Joaquin Phoenix, que deve lhe render um Oscar de ator. Pelo menos, é um dos favoritos com sua composição da figura patética, tornada demoníaca em um ambiente disfuncional.

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A revolta dos excluídos: essa tem sido uma tônica do cinema de empenho cultural, que tem sentido o pulso forte dos desprezados, mesmo nas sociedades mais ricas. Sentir esse sintoma de desencanto mundial, de insatisfação com o status quo - e expressá-lo com suas armas - é o que de melhor pode fazer a arte cinematográfica que se leva a sério. 

Filmes:  

Dor e Glória, de Pedro Almodóvar. Balanço de vida e de trajetória cinematográfica do diretor manchego, seu 81/2 amoroso e emocionante.

Parasita (Coreia), de Bong Joon-Hoo. Astuta, uma família que vive em condições precárias, consegue se infiltrar na mansão de novos-ricos em Seul. 

O Irlandês (EUA), de Martin Scorsese. Com seu novo mergulho sobre figuras menores da máfia (já presentes em seu Os Bons Companheiros), Scorsese tece uma hipótese sobre o desaparecimento do líder sindical Jimmy Hoffa. Um épico, soberbamente dirigido e interpretado. 

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A Árvore dos Frutos Selvagens (Turquia), de Nuri Bilge Ceylan. O desejo de tornar-se um escritor move o personagem principal, que se defronta com a realidade medíocre de sua aldeia depois de estudar na cidade. 

Palavra e Imagem (França), de Jean-Luc Godard. Mais um estudo cinematográfico-filosófico sobre o estado da arte e o estado do mundo do grande vanguardista da nouvelle vague. 

Pássaros de Verão (Colômbia), de Cristina Gallegos e Ciro Guerra. O crescimento do narcotráfico no interior da Colômbia leva a uma terrível guerra entre famílias, que destroi as culturas locais. A dupla de realizadores transcende o realismo, buscando formas míticas de narrativa. Impactante e original. 

E mais: 

O Paraíso Deve Ser Aqui (Palestina), de Elia Suleiman

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Dogman (Itália), de Matteo Garrone

Varda por Agnès (França), de Agnès Varda

Coringa (EUA), de Todd Phillips

Um Dia de Chuva em Nova York, de Woody Allen

Synonymes, de Navad Lapid

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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