Foto do(a) blog

Cinema, cultura & afins

Opinião|Mais um pouco de Walmor

O ator Walmor Chagas, de 82 anos, foi encontrado morto em seu sítio, em Guaratinguetá, com uma bala na cabeça. As circunstâncias da morte serão investigadas. O caseiro de Walmor disse que não havia qualquer indício de que seu patrão iria tirar a vida.

PUBLICIDADE

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Agora, isso importa pouco. Importa é lembrar da carreira intensa de Walmor, um dos grandes atores brasileiros, com atuação na TV, teatro e cinema - todas marcantes.

PUBLICIDADE

Walmor de Souza Chagas era gaúcho de Alegrete. Em Porto Alegre participou entre 1947 e 1952 do Teatro do Estudante. Logo se muda para São Paulo, onde estabelece as bases de sua carreira. Foi casado com a mitológica atriz Cacilda Becker, com a qual teve a filha Maria Clara Becker Chagas. Participou de peças como Volpone, Longa Viagem Noite Adentro e Esperando Godot, tanto no Teatro Brasileiro de Comédia como no Teatro Cacilda Becker. Atua nas TVs Tupi e Globo, em várias novelas e programas. Interpretou papeis em novelas como Coração Alado e Vereda Tropical, e minisséries como Os Maias e Filhos do Carnaval.

A marca deixada por Walmor Chagas no cinema é indelével, mesmo porque estreou em 1964 em um dos grandes filmes de todos os tempos do cinema brasileiro - São Paulo S.A., de Luis Sergio Person.

Na trama, ele faz Carlos, um jovem industrial ambicioso que se alia a um sócio italiano (Otelo Zeloni) numa fábrica de autopeças. Entra em crise existencial e abdica da carreira, numa São Paulo marcada pela industrialização acelerada. É seu maior papel e o filme, o mais perfeito retrato de uma metrópole que se despersonalizava com o progresso. No filme, também contracena com Eva Wilma.

Outra participação marcante no cinema brasileiro foi como o contratador João Fernandes, em Xica da Silva (1976), de Cacá Diegues, contracenando com Zezé Motta. Enriquecido pelas pedras que descobria (e, em parte, reservava para si mesmo), louco de amor pela escrava Francisca, João Fernandes satisfaz todos os caprichos da amante, o que provoca reações contrárias na sociedade local, que não tolerava ver a ex-escrava em posição tão alta. O filme foi um dos mais vistos no cinema brasileiro, na chamada fase da Embrafilme, nos anos 1970.

Publicidade

Esteve no elenco de filmes importantes como Asa Branca - um Sonho Brasileiro (1981), de Djalma Limongi Batista, Luz Del Fuego (1982), de David Neves, Parahyba, Mulher Macho (1982), de Tizuka Yamazaki e Memórias Póstumas (2001), de André Klotzel.

Também foi protagonista de Valsa para Bruno Stein (2007), do seu conterrâneo Paulo Nascimento, no papel de um homem idoso que se apaixona pela própria nora (Ingra Liberato).

A despedida das telas veio no filme de Ugo Giorgetti, Cara ou Coroa (2011), um inusitado olhar sobre os tempos da ditadura militar. O papel de Walmor é de uma dignidade exemplar. Ele interpreta um general da reserva, em cuja casa sua neta e o namorado escondem dois refugiados da polícia política. O velho general é um anticomunista convicto. Porém, não concorda com a repressão que está sendo feita a opositores, usando tortura e morte. No filme, sua presença é silenciosa, de poucas, porém incisivas falas. Diz muito com o olhar e vale-se bastante de subentendidos, coisa rara no cinema brasileiro. E também rara entre atores brasileiros, mais chegados ao expressionismo interpretativo que à discrição.

Essa despedida do cinema em Cara ou Coroa pode resumir a maneira de Walmor atuar: bastante discreta, porém intensa, um trabalho contido com a emoção que se traduz em gestos e olhares. Com esse estilo, funcionava muito bem no cinema, avesso a atores que trazem do palco uma técnica muito expressiva. Cinema pede discrição e delicadeza. Walmor foi um dos grandes, sem dúvida.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.