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Cinema, cultura & afins

Opinião|Mais Oshima *

Morreu segunda-feira, aos 80 anos, num hospital de Fujisawa, perto de Tóquio, o cineasta Nagisa Oshima. Quem? Basta dizer que Oshima foi o diretor de Império dos Sentidos para que as pessoas se lembrem dele.

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Atualização:

De fato, foi com este filme de 1976, provocador de espanto e escândalo no mundo todo, que Oshima se fez famoso. É o tipo de artista marcado por uma obra de tal forma impactante que todas as outras tendem a esmaecer, o que seria injustiça. Oshima é muito mais complexo.

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Nascido em 1932, Nagisa Oshima vinha de uma família aristocrática e logo se envolveu com o teatro e a literatura. Mas logo começou a trabalhar no cinema, como assistente. Faz também filmes para a TV, mas continuou anônimo. No entanto, era mesmo no cinema que seu espírito iconoclasta encontraria a melhor forma de expressão. Fazendo parte do grupo conhecido como a "nouvelle vague japonesa", Oshima inova tanto na forma como no conteúdo. Aproxima-se de Godard em sua radical crítica aos valores da sociedade e subversão da forma, o que lhe causa problemas na tradicionalista sociedade japonesa.

Império dos Sentidos abriga uma síntese de influências "malditas", como as de Bataille, Artaud e Sade, como sublinha o crítico Jean Tulard em seu Dicionário do Cinema. O envolvimento entre um senhor e uma prostituta, levado às últimas consequências - morte e castração - foi proibido em vários países, inclusive no próprio Japão. Lançado em Cannes, em 1976, provocou escândalo que se irradiou do balneário francês para o mundo.

Com problemas com a censura, Império dos Sentidos foi finalmente liberado no Brasil, onde teve destino insólito. No começo dos anos 1990 era exibido em cinemas pornô da Avenida São João, para pasmo dos habitués daquelas salas, em busca de estímulo fácil e pouco familiarizados com a dose de angústia existencial proposta por Oshima.

Império da Paixão (1978) retrabalha a mesma temática, agora condimentada por ingredientes de fantástico. Não obteve o mesmo reconhecimento do anterior. Em Furyo - em Nome da Honra (1982) registra o confronto entre os valores orientais e os do decadente ocidente.

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Por fim, em Max, Meu Amor (1986), vemos uma história bem à maneira do irreverente Oshima, amigo do absurdo e do poder corrosivo da sexualidade. Charlotte Rampling faz a esposa de diplomata que abandona o marido para viver...com um chimpanzé.

Na entrevista que concede à crítica brasileira Lúcia Nagib (no livro Em Torno da Nouvelle Vague Japonesa,Unicamp, 1993) Oshima fala das influências ocidentais exercidas sobre ele e seu grupo: o neorrealismo italiano e o surrealismo. Deste, guarda uma postura de esquerda, que não se confundia porém com o realismo socialista, sentido como inibidor pelos artistas. "Procuramos outras vias para expressar nossa arte, e encontramos o documentário e o surrealismo. No surrealismo se incluem Breton, o cinema de vanguarda dos anos 20 e 30", diz.

O curioso é que, nesta entrevista a Lúcia Nagib, Oshima afirma que seus filmes foram conhecidos antes no Brasil que na Europa, em razão da grande colônia japonesa que havia em São Paulo. Glauber Rocha chegou a ver Túmulo do Sol em 1962 e comentou isso com Oshima quando o conheceu em Paris.

Ficam por redescobrir obras como Conto Cruel da Juventude e o próprio Túmulo do Sol, ambos de 1960. Testemunham o trabalho de linguagem bastante ousado, que confrontava com a estética conservadora do cinema comercial japonês da época. Com eles, Oshima mexia em assuntos incômodos, como o desajustamento da juventude no pós-guerra, e o anacronismo de valores da sociedade tradicional (o sol é o símbolo do Japão). Em O Enforcamento (1968), numa história cruel e inusitada, o condenado sobrevive à execução, porém perde a memória. Metáfora do que ocorrera com o país na aventura da 2ª Guerra?

Agora que está morto passaremos a reconhecer Nagisa Oshima como um dos grandes.

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* Texto escrito para a edição de hoje do Caderno 2 do Estadão

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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