Luzes na Escuridão tem por tema a solidão do homem em um ambiente que não apenas lhe é hostil, mas indiferente, o que chega a ser pior. A solidão é um fato, mas também o é o inconformismo diante dela. É próprio do homem incomodar-se com a indiferença alheia, não importa se viva nos trópicos ou em Helsinque.
É lá que mora e trabalha o protagonista Koistinem (Janne Hyytiainem), segurança noturno de uma joalheria. Sua rotina se resume a sair do trabalho e passar por uma casa de lanches montada num trailer. Troca duas ou três palavras com a vendedora, come um sanduíche e vai para casa dormir. No dia seguinte, a mesma coisa. Até que entra em sua vida uma mulher de ar enigmático, Mirja (Maria Jarvenhelmi), também lacônica e que acaba se envolvendo num romance quase sem palavras com Koistinem.
Poderíamos aqui ter o estereótipo da loura fatal, mas Kaurismaki não cede diante desse clichê. Se Mirja é manipulara, o será apenas com o consentimento do vigia noturno. Ele é um caso meio patológico de passividade - e este é o subtema de Luzes na Escuridão. Koistinem é inerte apenas porque sua natureza o levou a ser assim, ou porque está enredado por um afeto que de outra maneira não teria?
De qualquer forma, através de sua anti-história de amor, Kaurismaki passa por diversos aspectos da sociedade finlandesa, da fragilidade dos laços afetivos à presença da máfia russa, em meros 78 minutos de filme. Essa é outra de suas características: o poder de síntese. A capacidade de colocar uma série de questões, e de maneira profunda, com poucos diálogos, poucas imagens, pouco tempo.
E, se tudo é concentrado, mesmo o desalento, convém dizer que, em meio a tanto desamparo, uma pequena luz aponta no final. Talvez não o suficiente para clarear toda a solidão anterior, mas é como se Kaurismaki nos dissesse: não vamos nos queixar; isso é tudo o que temos, apeguemo-nos à pouca luz que nos é concedida. Um filme de beleza triste, como uma peça de câmera. Uma pequena joia.
(Caderno 2, 9/5/10)