Enfim, os dois gols, esses detalhes que decidiram o clássico, foram duas pinturas, duas joias. O primeiro, vocês sabem, foi o pênalti, com paradinha e tudo, cobrado por Neymar. Um pênalti pode ser uma pequena obra de arte? Do jeito como é batido, pode. Lembram como Djalminha cobrava pênaltis? Lembram de Zidane, batendo de "cavadinha" numa final de Copa do Mundo? Lembram dele, Pelé, inventando, ou consagrando, a paradinha, sua marca registrada na cobrança das penalidades máximas?
Volto ao assunto porque, depois da cobrança de Neymar, cobranças de outra ordem começaram a ser feitas. Há quem diga que o pênalti já é uma covardia contra o goleiro. E que um pênalti batido com paradinha amplifica essa covardia a ponto de transformá-la em delito a ser denunciado às ONGs de Direitos Humanos. Há também quem faça distinção entre uma paradinha e uma paradona - do tipo que cometeu Neymar. Lembro que a paradinha de Pelé era, de modo geral, mais sutil. O Rei apenas diminuía de modo abrupto a intensidade da corrida. Não parava, a bem dizer. Quebrava o ritmo do passo e, desse modo, obtinha o que todo cobrador de pênaltis quer - que o goleiro escolha o canto antes de a bola ser chutada.
Neymar deu uma paradona. Com tanta convicção e classe que fez o goleiro Rogério Ceni cair de modo pouco condizente com sua categoria e compostura. Acontece. O próprio Rogério já usou o recurso quando na posição de cobrador. Ouço dizer que cobranças desse tipo são injustiças que se cometem contra o goleiro - a mais ingrata das posições, no jargão dos boleiros. Ora, peço licença para discordar. A posição de goleiro é mesmo ingrata (onde ele joga não nasce grama, diziam os antigos) e poucas humilhações do mundo se comparam às de um frango clássico, a bola tomada no meio das pernas. Mas, na hora do pênalti, a equação se inverte e o goleiro tem todos os privilégios. Se tomar o gol, ninguém irá contestá-lo - ainda que a bola seja chutada no meio da meta e ele já estiver caído para um dos lados. Se defender, mesmo uma cobrança defeituosa, será chamado de herói.
No pênalti, todo o peso recai sobre o cobrador. Ele é quem tem a responsabilidade de converter um gol já feito. Sim, porque pênalti bem batido é bola na rede. Não há como defender. A paradinha é recurso do cobrador. Recurso de risco. Qual é o pavor de quem dá uma paradinha (ou paradona, tanto faz)? Que o goleiro não se mexa, fique ele próprio estático no meio do gol. Ou seja, a paradinha do atacante se combate com a parada do goleiro. E, assim, o cobrador vê-se obrigado a definir o chute, tendo já perdido o impulso da corrida. Nesse caso, terá de contar com precisão e sangue-frio de neurocirurgião para, sem grande força, colocar a bola fora do alcance do goleiro, no canto baixo ou no ângulo. Conclusão: quem dá paradinha tem de confiar plenamente em seu taco. É uma virtude psicológica, tanto mais admirável em um garoto de 18 anos diante de um dos mais completos e experientes goleiros do País.
E quanto ao gol de Robinho? Ora, um gol de letra dispensa palavras.
(Coluna Boleiros, 9/2/10)