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Opinião|Lelouch: abaixo a Nouvelle Vague, viva Sarkozy

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

MANAUS Como homenagem do Amazonas Film Festival o diretor francês Claude Lelouch recebeu uma pequena estatueta indígena no palco do Teatro Amazonas. Agradeceu, dizendo que iria colocá-la entre seus dois Oscars. Sim, Lelouch recebeu duas vezes o prêmio da Academia de Hollywood e raramente perde ocasião de lembrar o fato. Com seu grande sucesso Um Homem, Uma Mulher (1966) venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e os Oscars de melhor produção estrangeira e o de roteiro, escrito por ele próprio. Lelouch conversou com o Estado a bordo de um barco subindo o Rio Negro. Falou primeiro de sua ligação com o Brasil, que vem através da música bossa nova empregada em Um Homem, Uma Mulher. "Quem me indicou esse tipo de música foi meu amigo Pierre Barouh, que era muito ligado aos músicos brasileiros. Fiquei encantado com a sugestão e mudei a música que iria empregar pela de bossa nova que acabou ficando famosa", disse. Assim como ficou famoso o caso de amor entre Jean Louis Trintignant e Anouk Aimée, o casal de Um Homem e Uma Mulher, título que tem uma região de adeptos até hoje.

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Seu outro grande sucesso é Retratos da Vida (Les Uns, Les Autres, 1981). A tal ponto que, num encontro com o público, em Manaus, uma fã declarou que aquele era o filme da sua vida, e por ele agradecia ao diretor. Lelouch se diz acostumado a esse tipo de reação apaixonada. Pelo menos por parte do público, já que a crítica não é tão unânime em relação a ele. "Sempre fazem restrições dizendo que misturo muito os gêneros em meus filmes. E, de fato, neles há romance, humor, suspense, tudo isso. E sabe por quê? Porque na vida também é assim, tudo misturado; então as pessoas se identificam com meus personagens e minhas histórias". Quando lhe perguntam se o grande sucesso de Um Homem Uma Mulher não lhe teria subido à cabeça e o transformado em uma pessoa intolerante à crítica, ele diz que não. E por um motivo muito simples: "Antes do sucesso de Um Homem Uma Mulher, eu conheci seis fracassos seguidos, e isso tempera uma pessoa. Aliás, acho que aprendemos muito com o fracasso. Ele nos torna humildes, ao passo que o sucesso embriaga". Lelouch diz que conheceu tanto sucessos como fracassos retumbantes com seus 41 filmes lançados comercialmente. "Essa alternância me deixou muito bem preparado para o sobe-e-desce da vida", afirma.

E também temperado, segundo ele, para o confronto com a crítica que, a partir de um namoro inicial, começou a tachar suas técnicas de filmagem de mera perfumaria, sem grande substância. "E sabe de uma coisa? Receberam muito bem meu último trabalho, Crimes de Autor (Roman de Gare, 2007)". Acrescenta, mordaz: "Isso não quer dizer que passei a gostar deles depois disso". Lelouch tem um histórico de rixas com a crítica francesa e também com o sistema de distribuição dos filmes em seu país. Tanto assim que bancou uma operação arriscada para o lançamento do seu Os Parisienses (2004), que teve um dia de entradas grátis em toda a Paris. Lelouch pagou do próprio bolso a extravagância e consta que desembolsou um milhão de euros para provar que era o sistema que estava errado e não seus filmes.

Não se sabe se repetiria a experiência, mesmo porque ela é muito cara. Mas Lelouch parece disposto a repetir polêmicas e nomear desafetos. Por exemplo, quando o repórter do Estado lhe recorda que não apenas a bossa nova está fazendo 50 anos em 2008 mas também a nouvelle vague, ele comenta: "Sabe qual a diferença entre os dois? A bossa nova é maravilhosa e continua viva; a nouvelle vague está morta". Por algum motivo, ou vários motivos, Lelouch detesta o movimento cinematográfico iniciado por François Truffaut, Jacques Rivette, Jean-Luc Godard e Claude Chabrol, e que se tornou referência na história do cinema mundial. "A nouvelle vague foi muito útil para mostrar como não se deve filmar", diz, sem papas na língua. De acordo com ele, afastou o público dos cinemas e criou uma estética empoada, de nariz em pé, que em nada condiz com aquilo que ele próprio pensa do cinema.

Os (então) rapazes da nouvelle vague eram críticos atuantes na mitológica revista Cahiers du Cinéma, fundada por André Bazin. A revista serviu de plataforma de lançamento dos primeiros filmes feitos pelos jovens críticos e nunca deixou de apoiá-los ao longo de sua carreira. Quando lhe perguntam como analisa as atuais dificuldades da Cahiers, que estaria sendo vendida para um grupo inglês, Lelouch resume, em seu estilo: "Claro: ninguém mais lê essa revista".

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As provocações não param por aí. Se a maior parte dos artistas e intelectuais franceses apoiou a socialista Ségolène Royal nas eleições presidenciais, Lelouch nunca escondeu sua preferência pelo conservador Nicolas Sarkozy, que acabou eleito. "Sarkozy vai fazer um grande governo na França; ele trouxe algo de novo ao país". Quando lhe perguntam se esse algo novo seria Carla Bruni, cantora e primeira-dama, ele contesta: "Não, não, Sarkozy tem brilho próprio e vai mudar o país. Sabe por quê? Porque é centralizador. Ele controla tudo e isso é um bom indício". Lelouch não deixa de fazer uma analogia: "Um bom diretor de cinema é aquele que tem o controle de todas as etapas de um filme, do roteiro à montagem; é também o que Sarkozy está fazendo na França, controlando tudo."

Claude Lelouch diz que ama todos os seus filmes, fala dos seus prêmios mas não cultiva o passado. "Meu próximo filme sempre será o melhor", acredita. E já tem dois projetos engatilhados que, segundo ele, chocarão os críticos pela ousadia e inventividade. Mas negou que vá se aposentar depois desses dois projetos: "Só vou parar de fazer cinema quando eu morrer", diz. E acrescenta que jamais perderia a oportunidade de utilizar essa grande ferramenta que é a nova tecnologia digital. "Podemos filmar durante uma hora, sem interrupções, o que garante uma uniformidade fotográfica fantástica, por exemplo".

Lelouch diz que filma como quem vive e que seus filmes têm todas as variações e imperfeições da própria vida - e por isso são bons. Mas, para quem acredita que Lelouch só gosta de Lelouch, ele avisa: em sua opinião o maior cineasta do mundo se chama Woody Allen.

(Caderno 2, 13/11/08)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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