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Opinião|Juno

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Já tem muita gente chamando Juno de A Pequena Miss Sunshine da vez. A comparação faz sentido. São ambos filmes relativamente pequenos, parecem ter entrado no Oscar pelas portas do fundo, discretamente, e fazem o papel de azarões em uma competição acirrada.

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Juno tem os ingredientes de autêntico outsider. É mais que um modelo de cinema independente que, nos Estados Unidos, já não é mais tão independente assim, tendo se transformado em gênero, quase uma alternativa dos estúdios para abocanhar a fatia de público que lhes escapa. Mas, essa exceção à regra de fato foi produzida com US$ 2,5 milhões, quantia modesta até para alguns filmes brasileiros.

A estranheza não pára aí. A história foi escrita por uma certa Diablo Cody, pseudônimo de Brooke Busey, que passou parte da vida se exercitando no métier de strip-teaser. Suas aventuras pessoais eram descritas em um site, que se tornou dos mais visitados nos EUA. Pelo jeito, Brooke tomou gosto pela palavra e passou a escrever roteiros. Juno é resultado dessa mudança de atividade da ex-stripper. E, bem, a julgar pelos diálogos do filme, o roteiro parece ser a sua peça forte, o que é ponto para Diablo, quer dizer, Brooke.

Mas quem dá vida a esses diálogos também tem todo o mérito e responsabilidade no bom resultado da história. Ellen Page faz a personagem-título, uma garota ágil, engraçada, de resposta pronta e idéias originais. Juno é uma metralhadora verbal ambulante e o que diz merece atenção.

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Qual é a história? A garota transa com o namorado e fica grávida. Acha, com toda a razão, que não tem maturidade para criar um filho. O que fazer com ele? A solução parece insólita e passa pela escolha de um casal para adoção. O resto, é melhor deixar para o espectador descobrir.

Não que haja grandes surpresas na trama. Juno não é filme de reviravoltas mirabolantes, de ação, de personagens que promovem rupturas em suas vidas ou nas dos outros. Não. O diretor Jason Reitman (de Obrigado por Fumar) prefere retratar personagens que poderiam ser qualquer um de nós, com nossas angústias e alegrias. Mesmo o ponto central, que desencadeia toda a série de ações e reações que conduzem a história, nada tem de fora do comum - ou quer coisa mais ordinária, hoje em dia, que uma adolescente que, de uma hora para outra, aparece grávida, e de outro adolescente, ainda por cima?

Reitman trabalha nessa história em que ninguém é muito fora do normal, a não ser, talvez, na disposição de não dramatizar excessivamente as coisas. E esse é o aspecto talvez mais simpático. Nenhum dos envolvidos, a começar pela personagem principal, acha que está vivendo um dramalhão mexicano por causa dessa gravidez não planejada. Tenta-se ajeitar as coisas com um mínimo de sofrimento para os envolvidos - e isso é tudo.

De certa forma, Reitman, a partir do texto de Brooke Busey, assume essa pegada jovem e desdramatizada. Conta muito com Ellen Page para conseguir o resultado que deseja. A garota é cheia de vida, esperta, irreverente. Não deixa que os outros passem a ela um drama que não está sentindo. Toca a vida. Ri e chora quando precisa, mas sabe que a vida segue. Em termos familiares, Juno mostra que tem sorte, pois tanto o pai como a madrasta (J.K. Simmons e Allison Janey) parecem bem resolvidos.

O fato é que nos envolvemos com a história de Juno muito por causa do seu frescor. Tem a ver com o texto (provavelmente), com a forma como a atriz encarna, e encara, seu personagem, e tem a ver, também e talvez sobretudo, com a maneira como Reitman conduz a direção. Não que Juno seja 'autoral', no sentido mais antigo e estrito do termo. E talvez no sentido mais banal, que exige malabarismos técnicos para que o cara seja notado e uma pretensa assinatura reconhecida. Reitman deixa para lá essa preocupação egóica e filma de maneira simples. Discreta.

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Em virtude dessa discrição deixa a história aflorar e os atores fazerem seu trabalho. Não existem desníveis no elenco. Se Ellen Page é um brilho à parte, todos os outros estão pelo menos ok. E, desse conjunto afinado, emerge uma melodia à qual não estamos mais tão acostumados - uma América de gente que toca seu cotidiano da maneira que pode e tem de se virar quando pinta uma intercorrência como essa. É claro que, no conteúdo, você vê surgir o elenco de debates contemporâneos - a gravidez precoce, o aborto, a adoção, os problemas familiares. Mas, sobretudo, paira sobre o conjunto um senso de humor bastante saudável. Esse tom é a 'verdade' do filme.

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É leve, mesmo que mexa com uma das grandes angústias dos pais, a tentativa de adivinhar o que se passa na cabeça dos filhos. Nesse sentido, o personagem do pai de Juno é exemplar. Não que ele tenha uma percepção extra-sensorial que o coloque acima dos outros. Simplesmente é mais relaxado, no sentido positivo do termo. Sabe que é impossível saber exatamente o que se passa na intimidade de uma adolescente. Mas pode muito bem amar e apoiar a filha, ainda que não concorde por inteiro com o que ela andou aprontando na vida. A palavra é tolerância e, por isso, Juno não é apenas um filme sobre jovens. É, ele mesmo, um filme jovem.

(Caderno 2, 8/2/08)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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