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Opinião|Jovem, bela...e um tanto fria

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

O que dizer de um filme cuja protagonista é uma jovem de classe média, que se prostitui apenas à tarde de modo a compor o orçamento senão que se parece muito ao clássico de Luis Buñuel, A Bela da Tarde? A famosa "Belle de Jour", que oferecia aos clientes a apregoada beleza gélida, porém impressionante, de Catherine Deneuve, sempre no período vespertino.

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Pois bem, Jovem e Bela, de François Ozon, anda por esse caminho 45 anos depois, já que o filme de Buñuel é de 1967. Sem qualquer problema, os temas são para serem retomados mesmo, e desenvolvidos à luz de outra realidade, trazida pelo passar do tempo.

E então temos a ninfeta Marina Vacth, modelo reciclada em atriz, com sua beleza e encanto, no papel da adolescente Isabelle. Ela passa férias na praia com a família, livra-se da virgindade (já que está louca para perdê-la) e, na volta a Paris, passa a atender clientes. Sempre na parte da tarde, porque de manhã tem colégio e, à noite, precisa estar na casa dos pais.

Isabelle adota Léa como nom de guerre, mune-se do seu celular, com chip especial destinado ao novo métier, e passa a encontrar-se com homens em hotéis chiques. Sua trajetória, digamos, é acompanhada por Ozon ao longo de um ano, seguindo as quatro estações do ano.

Há dois aspectos interessantes a serem destacados, e ambos referem-se a ausências. Não há no filme nem condenação moral e nem prospecção psicológica. Quer dizer, o ponto de vista do autor não é o de alguém que condena, ou absolve, um comportamento destinado teoricamente a chocar parte da plateia alvo da obra. Ozon parece dizer que Isabelle/Léa não é ré de qualquer julgamento. E nem parte acusadora, para quem vai buscar automaticamente nos pais alguma culpa pelo comportamento desviante da filha. Nada disso é induzido da história, ficando o julgamento, se ele for necessário e cabível, a cargo do público.

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Aliás, podemos muito bem viver sem estar a julgar os outros a torto e a direito, embora a aplicação das noções de bem e de mal de maneira pouco meditada pareça ser uma das características contemporâneas da espécie. Mas deveríamos fazer um esforço para adiar veredictos, se não formos capazes de aboli-los, e esta é uma das propostas de Ozon. A outra diz respeito à compreensão. Julgamo-nos muito aptos tanto a atribuir valores como a compreender comportamentos alheios. Os nossos, sabemo-los complexos. Mas as motivações alheias parecem sempre muito visíveis e explicáveis. Como não é muito aparente o que leva a protagonista de Jovem e Bela a prostituir-se, o público pode ser levado a buscar explicações por si, sem que o cineasta o ajude na tarefa de decifrar aquilo que ele mesmo propôs.

De fato, o que levaria a garota a entregar-se a clientes nem sempre agradáveis? O sexo, em si? Mas nesse caso, por que ela parece tirar tão pouco prazer das relações? O dinheiro? Em parte, mas não aparenta ser a motivação principal, e nem mesmo tão importante assim. A aventura? Talvez, mas existem outras maneiras de se arriscar. Enfim, por mais que tentemos entender, há um tanto de opacidade no comportamento de Isabelle, uma zona obscura, digamos assim, a nos desafiar.

Da mesma forma, Ozon não aponta o dedo acusatório para os pais, nem para os pedagogos, e nem para a sociedade, embora apareçam com a estupidez habitual. Por mais que esta seja imbecil e sem sentido os olhos de uma adolescente, não se pode dizer que Isabelle seja uma vítima da sociedade, no sentido convencional do termo. Não foi levada à prostituição pela necessidade material ou pela falta de alternativas, conforme o velho preconceito da esquerda. Talvez pelo tédio, mas esta é outra questão. Quanto a pais e professores, sua cegueira é ancestral em que se refere a filhos e alunos, mas nem por isso estes se prostituem como norma, o que deixa intacta a questão em torno de Isabelle.

Uma palavra sobre a direção de Ozon. Se é salutar que coloque entre parênteses julgamentos e explicações, a frieza com que dirige afeta a maneira como vemos o filme. Mesmo em trabalhos anteriores, é assim. Constatamos sempre, em filmes como Swimming Pool, Potiche, Dentro de Casa, um cineasta interessante, com domínio técnico e intelectual dos seus temas, mas também avesso à expressão passional dos seus personagens. É uma maneira de ver o mundo, sem dúvida, mas que pode, muitas vezes, deixar seu público um tanto indiferente.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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