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Opinião|Hugo Carvana se foi

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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 Foto: Estadão

RIO - Num dia lindo no Rio, apesar do clima meio fresco, e, em meio ao principal festival de cinema da cidade, chegou a notícia da morte do mais carioca dos atores, Hugo Carvana. O intérprete e diretor de filmes como Vai Trabalhar, Vagabundo (1 e 2), Se Segura Malandro e Bar Esperança- o Último que Fecha morreu de complicações decorrentes de um câncer do pulmão, aos 77 anos de idade.

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O clima, na tradicional feijoada do Festival do Rio, era de desolação. Amigos do meio cinematográfico comentavam a importância de Carvana na reinvenção de um tipo, o malandro carioca, que ficará na memória do cinema, mas cujo legado artístico vai muito além. Falou-se também do amigo, do companheiro, do grande conversador que esse carioca de Lins de Vasconcelos sempre foi. Quem o conheceu de perto sabe que é tudo verdade e não palavras caridosas ditas sempre que alguém morre. Carvana era mesmo um ser humano especial.

Dele, em termos artísticos, fica para sempre a imagem cômica que o marca, seus malandros cariocas, em filmes que ele mesmo dirigiu, Vai Trabalhar, Vagabundo 1 e 2 e Se Segura Malandro. Entre todos, gosto mais da "desesperança" do Bar Esperança, para mim seu melhor trabalho. Mescla aí o cômico ao dramático, evocando personagens reais, num tempo em que toda alegria parecia banida da vida brasileira. Revela um modo de ser muito nosso, a resistência suave à mais terrível circunstância que pode acontecer a um país, ser vítima de uma ditadura militar.

Carvana, por seus dotes de ator e cômico, tornou-se muito conhecido por seus trabalhos na televisão, que é o único veículo da verdadeira popularidade num país como o Brasil. Trabalhou em novelas (Roda de Fogo, O Dono do Mundo, De Corpo e Alma e Celebridade) e também se celebrizou no seriado Plantão de Polícia.

Mas agora que se faz o balanço de sua vida, há que se lembrar do Carvana menos popular, mas mais fundamental, o ator do Cinema Novo, queiram ou não o movimento cinematográfico mais importante da história do cinema brasileiro até hoje. Nele, Carvana foi figura importante em filmes como Os Fuzis, de Ruy Guerra, Câncer, Terra em Transe, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, Leão de Sete Cabeças, todos de Glauber, além de A Grande Cidade, de Cacá Diegues, Macunaíma, de Joaquim Pedro de Andrade, e Pindorama, de Arnaldo Jabor. Isto para citar apenas alguns porque, nesse período, a filmografia de Carvana é bastante intensa e impressionante pela qualidade.

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O ambiente em que o ator Carvana vivia era de oposição ao regime. Ambiente de esquerda, em que a crítica ao "sistema" era feita ora de maneira frontal, ora através da alegoria. Carvana, quando resolve passar à direção, inaugura a resistência de raiz cômica. Filmando em pleno governo Geisel, insinua o viés corrosivo do humorismo, em seu sotaque carioca, como forma de se opor à caretice, à violência, ao autoritarismo, que é sempre sério, sisudo, mal-humorado e truculento. Ditadores desconfiam do riso, no que têm toda razão.

Além dos dois Vagabundos, Carvana fez um hilário Se Segura Malandro e o inspirado Bar Esperança. Depois, em 1997, refez O Homem Nu, baseado no conto de Fernando Sabino que já havia sido filmado por Joaquim Pedro de Andrade. Depois da doença, voltou com novo longa, Apolônio Brasil - o Campeão da Alegria e Casa da Mãe Joana (2008), que mereceu uma sequência em 2013. Entre os dois, outra comédia cáustica, Não se Preocupe, Nada Vai Dar Certo.

Hugo Carvana foi velado no Parque Lage, palco de Terra em Transe, o filme mais importante de que participou.

Homem de convivência afável, papo inteligente e agudo, era um daqueles cariocas das antigas, ele que nasceu em Lins de Vasconcelos. Conversei inúmeras vezes com ele, ou entrevistando-o, ou, melhor ainda, em situações informais, jogando conversa fora, como se diz. Era, como todo carioca digno desse nome, um conversador nato.

Gosto muito do Carvana. Há alguns anos ele lutou contra um câncer e curou-se. Reencontrei-me com ele e sua mulher, Martha Alencar, em São Paulo, quando lançava um dos seus novos filmes. Parecia muito bem e feliz. Depois disso nos reencontramos várias vezes. Agora ele se foi, em definitivo.

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Que esteja em paz.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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