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Cinema, cultura & afins

Opinião|Gramado 2022: Noites Alienígenas, a violência e a magia da floresta

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

GRAMADO - Um filme vindo do Acre surpreendeu o público em Gramado na terceira noite de competição. Noites Alienígenas pareceu isso mesmo que o título indica, um objeto não-identificado, desencontrado aqui e ali, mas emanando uma força estranha que, tudo somado, cativou a plateia. 

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Situa-se na periferia da Amazônia urbana, limite incerto entre a cidade e a floresta. Esse ambiente sofre o impacto da chegada de facções criminosas do Sudeste com a instauração de uma violência febril, em especial entre os jovens. Chico Diaz interpreta um personagem-chave, uma espécie de velho hippie, que sempre aconselha aos jovens a  conhecerem o mundo e não se limitarem àquele pedaço de terra onde nasceram. Parece ecoar as palavras de Coriolano, na peça de Shakespeare: "There's a world elsewhere". Há um mundo lá fora. Mas nem sempre conseguimos deixar o ambiente onde nascemos, por mais que ele nos limite, ou massacre. 

O filme, dirigido por Sérgio de Carvalho (e baseado em livro do próprio cineasta) evoca o ambiente da juventude, com o Slam e também a criminalidade terminal do tráfico de drogas e das gangues que se formam em torno da atividade e concorrem entre si. Mas também incorpora os elementos amazônicos, da floresta, dos mitos, do Daime, e  muitas vezes com recurso ao realismo mágico. É nesse espaço que o filme corre mais riscos, nessa passagem entre o realismo e o mundo mágico, complicada de articular na literatura e mais ainda na dimensão audiovisual, sem cair no kitsch. 

Seja como for, o filme tem pulsão, o que não é tão comum assim no cinema contemporâneo. Essa força compensa eventuais desequilíbrios - ou aquilo que sentimos como tal. 

Além disso, como se destacou no debate, em particular na fala da produtora Karla Martins, a simples presença em Gramado de uma produção do Acre, representa, em si, um ato político. O Brasil é imenso, desigual e, ainda, muito centralizado em torno de eixos, em especial, Rio-SP. Governos anteriores empenharam-se en políticas de descentralização e elas produziram efeitos benéficos. Novas vozes e olhares surgiram. Foram desconstruídas pela gestão atual, que considera as artes inimigas figadais e, portanto, a serem eliminadas. Ou na impossibilidade disso, desestimuladas ao extremo. Mas a arte resiste, como se tem visto, e a presença desse filme num festival da importância de Gramado é prova viva dessa resistência. 

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 Foto: Estadão

Mãe Coragem

Depois da emoção causada pelo trabalho de Marcélia Cartaxo em A Mãe, de Cristiano Burlan, outra mãe comoveu o Festival de Gramado. Trata-se da personagem principal de El Camino del Sol, da mexicana Claudia Sainte-Luce. Sol (Anajosé Aldrete) tem o filho sequestrado e, dias depois, os bandidos entram em contato exigindo resgate. Sua vida passa a ser uma corrida contra o tempo para levantar o dinheiro exigido para salvar a vida do filho. 

Não sem antes tentar a ajuda da polícia que, ela logo descobre, mostra pouco interesse em solucionar o crime. Seu primeiro calvário situa-se nessa tentativa de desbravar os meandros burocráticos e driblar a corrupção policial. Vendo que tudo é inútil, e como o tempo está passando, decide virar-se por conta própria. Sem dar spoilers, mas mãe que tem o filho sequestrado, torna-se, ela própria, uma delinquente para conseguir o dinheiro. 

El Camino del Sol é um filme que deixa o espectador sem fôlego, embora não lhe negue raros momentos de humor, tirados do próprio absurdo da situação. Mas é também um filme do desespero e da desesperança. Retrato cruel de uma sociedade em que grassa o banditismo em suas múltiplas atividades, do tráfico de drogas ao sequestro de crianças. Nossas sociedades faliram, é bom conscientizar-se de uma vez por todas, admissão que é base para qualquer reconstrução futura. 

Curtas

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Ímã de Geladeira, de Caroline Meneses e Sidjonathas Araújo (SE). Um filme divertido e cheio de vida, com a história de casal de costureiros que perde sua geladeira por causa dos constantes apagões no bairro. Compram outra de segunda mão, mas o eletrodoméstico parece oferecer perigo. Mas apenas para pessoas negras. Ideia interessante, bem realizada e mesclando crítica social ao humor. 

O Elemento Tinta (SP), de Luiz Maudonnet e Iuri Salles. Filme de urgência, surgido durante a pandemia quando um jovem pichador morre de Covid, motivando o protesto de seus amigos contra o governo (?) Bolsonaro. Mensagem reta, num filme corajoso e oportuno. 

Prêmio Assembleia Legislativa - Mostra Gaúcha de Curtas

Ontem, após as sessões noturnas, houve a premiação da mostra gaúcha de curtas. Numa noite vibrante, ganhou o curta Sinal de Alerta Lory F, de Frederico Restori. 

 Foto: Estadão

O momento mais emocionante foi o da homenagem ao ator Sirmar Antunes, falecido semana passada. Sirmar foi um dos grandes atores negros do Rio Grande do Sul, presente em inúmeras produções gaúchas. Era muito estimado, tanto por seu talento como pelo astral sempre bom, sempre gentil com os outros, um amigo de todos. 

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Aqui, a premiação completa: 

Melhor Filme - "Sinal de Alerta Lory F", de Fredericco Restori, da produtora Oito e Meio Filmes

 

Melhor Ator - Victor Di Marco em "Possa Poder"

 

Melhor Atriz -  Valéria Barcellos em "Possa Poder"

 

Melhor Direção - Jonatas Rubert, por "A Diferença Entre Mongóis e Mongoloides" 

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Melhor Roteiro - Jonatas Rubert, por "A Diferença Entre Mongóis e Mongoloides" 

 

Melhor Fotografia - Flora Fecske, por "O Abraço"

 

Melhor Montagem - Fredericco Restori, por "Sinal de Alerta Lory F" 

 

Melhor Direção de Arte - Gabriela Burck, por "A Diferença Entre Mongóis e Mongoloides" 

 

Melhor Trilha Sonora -  Gutcha Ramil, Andressa Ferreira e Ian Gonçalves Kuaray, por "Mby´Á Nhendu - O Som do Espírito Guarani" 

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Melhor Desenho de Som - Andrez Machado, por "Fagulha"

 

Melhor Produção Executiva - Henrique Lahude, por "Drapo A" 

 

Melhor Filme pelo Júri da Crítica - "Apenas para registro", de Valentina Ritter Hickmann.

 

Menção Honrosa ao filme "Drapo A", de Alix Goerges e Henrique Lahude

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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