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Opinião|Gramado 2022: 'Marte Um' emociona o público

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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GRAMADO - Foi uma consagração. Vários minutos de aplausos em pé para Marte Um, do mineiro Gabriel Martins. Aplausos emocionados, uma forma de agradecimento do público por ter visto um filme que de fato tocou na alma de cada um que estava naquela sala do Palácio dos Festivais, em Gramado. 

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Já vi acontecer isso outras vezes. Na última edição presencial, antes desta, em 2019, aconteceu com Pacarrete, de Allan Deberton, um filme que faz rir e faz chorar. Exatamente como Marte Um, ao nos expor a intimidade de uma família de Contagem, em Minas. A família Martins (mesmo sobrenome do cineasta, não por acaso), compõe-se do pai, Wellington (Carlos Francisco, da mãe, Térsia (Rejane Faria), e um casal de filhos, o adolescente Deivinho (Cícero Lucas) e Eunice (Camilla Damião). 

O pai, zelador de um prédio de luxo em Belo Horizonte, sonha para o filho um futuro de jogador de futebol, a grande saída financeira para famílias pobres. A mãe é empregada doméstica. O garoto Deivinho joga bola, mas sua cabeça está antenada em coisas da ciência. Vive fascinado pelo projeto de colonização de Marte, previsto para o ano 2030. A estudante de Direito Eunice, planeja um jeito de contar aos pais que está procurando um apartamento para morar com a namorada, uma colega de faculdade (Ana Hilário). 

Eis aí: uma família como tantas outras nesse Brasil. Vive-se o ano de 2018, quando toma posse o presidente de extrema-direita, que irá dedicar seus próximos quatro anos ao processo de destruição do país. No entanto, o filme não faz uma ligação causal, mecânica, entre o presidente disfuncional que assume e os problemas que começam a acontecer com a família. É mais a sensação difusa de um ambiente deletério que se instala no país e passa a afetar a vida de todos. Mesmo de quem não se mete em política. 

O fato é que os conflitos começam a acontecer para os Martins. Desde que foi vítima de uma pegadinha de mau gosto, a mãe passa a se achar portadora de uma energia negativa que pode prejudicar sua família. O pai entra numa roubada ao confiar num amigo e perde o emprego. A notícia de que a filha vai morar com a namorada causa abalo. Às vésperas de uma "peneira" que pode decidir seu futuro como jogador, Deivinho fratura a perna. 

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Mas o que encanta mais no filme é seu retrato vivo da intimidade dessas pessoas comuns, gente igual a mim ou a você. Aos poucos - e isso por obra tanto do roteiro afinado quanto do elenco - vamos nos sentindo como membros daquela família. Rindo com eles ou nos emocionando quando se deparam com dificuldades. O filme tem humor e tem amor, além de muita música. Em suma: tudo nele passa verdade, esse efeito tão buscado pelo cinema e tão difícil de ser encontrado. 

Não gosto de fazer previsões, porque é a maneira mais fácil de quebrar a cara - ninguém sabe direito o que vai pela "cabeça" de um júri. Mas me arrisco a dizer que Marte Um já surge como forte concorrente aos Kikitos principais desta edição. 

Esta noite será exibido o último concorrente brasileiro, Tinnitus, de Gregorio Graziosi, e, pelos latinos, o chileno Inmersión, com o grande ator Alfredo Castro em seu elenco. 

Curtas

Fantasma Neon (RJ), de Leonardo Martinelli, é um estudo estilizado, em corte de musical e balé, sobre o trabalho precário dos entregadores de aplicativo. Uma forma muito original de abordar essa questão crucial - as mudanças nas relações de trabalho representam um dos grandes desafios do nosso tempo.

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Mas eu não sou alguém? (SP), de Daniel Eduardo e Gabriel Duarte, trata da invisibilidade das pessoas que vivem nas favelas. O protagonista é um garoto de nove anos a quem é dito que ele só será alguém no dia em que conseguir sair daquele lugar onde nasceu. Pobreza, violência policial, injustiça social, tudo conflui numa crise de identidade que se forma da maneira mais cruel para uma criança - nasci aqui, então não sou ninguém?



Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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