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Opinião|Gramado 2022: as muitas faces do Brasil em O Pastor e o Guerrilheiro

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

GRAMADO - Há filmes que chegam ao festival como verdadeiros acontecimentos. Filmes-evento, como se diz. Foi o que se passou com O Pastor e o Guerrilheiro, de José Eduardo Belmonte, que concorre na mostra principal de Gramado. Elenco e equipe técnica lotaram o palco, com adicional de duas presenças ilustres - o ex-ministro da Cultura Juca Ferreira e o deputado José Genoíno. Ambos participaram da Guerrilha do Araguaia, embora fossem de grupos diferentes - Juca, do MR-8 e Genoíno, do PC do B. 

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O filme tem como ponto de partida o livro do potiguar Glênio Sá, Relato de um Guerrilheiro, mas não se trata de uma transcrição literal de sua experiência na guerrilha e na prisão política. Há outros elementos que vão entrando na composição do longa. A sinopse fala de Juliana, uma filha ilegítima de um coronel que se suicida. Ela descobre que o pai lhe deixou uma herança e também que havia sido torturador na época da ditadura. Juliana é um personagem ficcional, criado para articular as diversas dimensões do drama. 

O filme costura épocas diferentes - da agitação estudantil nos anos 1960 (boas cenas na UnB) à adesão à luta armada nos 1970. A prisão, a tortura, e uma promessa de encontro entre dois homens presos previsto para o réveillon de 1999, a virada do século. Esperança no futuro, mesmo no fundo do cárcere. 

Os dois homens são o guerrilheiro (Johnny Massaro) e o pastor (César Mello), que se conhecem no cárcere. Um, caído no Araguaia; o outro, preso por engano. 

Compreende-se a atração do filme pela figura de Zaqueu, o pastor interpretado (de forma brilhante) por César Mello. A questão evangélica tornou-se premente no Brasil contemporâneo, quando os fiéis (não todos, mas em sua maioria) compõem uma força organizada e conservadora. Tiveram grande influência nas eleições de 2018 e terão nas deste ano. São uma força econômica e política, no Parlamento. Como lembrou Juca Ferreira no debate, Leonel Brizola, lá atrás, já havia previsto o nascimento e consolidação dessa força, com graves consequências para o Brasil. 

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Esse tema, portanto, é "da hora", e, no meu entender, acabou por dominar o filme, de certa forma desequilibrando-o. Embora contemplando outros aspectos, parece, numa primeira visão, que a questão da luta armada, da própria ditadura militar, da não-punição aos torturadores, das precárias condições de redemocratização, etc, ficaram um pouco em segundo plano. Mas é um filme a ser revisto. Sua riqueza temática, mais que estética, talvez compense alguns desequilíbrios narrativos. A ver. 

 Foto: Estadão

O Último Animal

Dirigido pelo português Leonel Vieira, porém ambientado no Rio de Janeiro, traz o personagem Didi como irmão do chefão do tráfico e que tenta escapar àquilo que vê como um destino de crimes na favela. O longa traz astros internacionais como o português Joaquim de Almeida, usa e abusa da violência, num ritmo de favela movie, que pretende emular obras como Cidade de Deus e Tropa de Elite. A trama é bastante enrolada, pouco verossímil e escassamente trabalhada. Ameaça trazer a questão do crime para os eventos da Copa do Mundo e da Olimpíada no Rio, mas não avança. Destaque para a interpretação de Júnior Vieira como Didi. 

Curtas

Serrão (MG), de Marcelo Lin é a imersão na vida de uma comunidade através de um personagem que "perdeu um olho". Filme imersivo, à maneira do cinema mineiro contemporâneo, diz muita coisa com economia de recursos e senso de observação. 

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Tekoha (SP), de Carlos Adriano, à maneira reiterativa do diretor, trabalha com fotogramas de um registro de violência contra indígenas Guarani Kaiowá. Referências cultas (Pasolini, etc.) e um senso de condensação política bastante agudo. "Meu cinema é mais poesia que prosa", disse o diretor no debate. Sintético e preciso. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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