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Opinião|Gramado 2020: Por que você não chora?, ou o suicídio em questão

 

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

 

 Foto: Estadão

Primeiro concorrente nacional do Festival de Gramado 2020, o longa Por que você não chora? (DF), de Cibele Amaral, põe em questão as terapias psicológicas e o suicídio. 

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O foco é a relação entre uma pessoa diagnosticada como borderline (limítrofe), Bárbara (Bárbara Paz), e a estudante que faz o acompanhamento psicológico, Jéssica (Carolina Monte Rosa). Há um relacionamento difícil entre as duas porque Bárbara é instável e desafiadora e Jéssica é muito tímida, fechada, e também tem lá sua cota de grilos psicológicos.

Ao enfrentar temas complexos, o filme é muito simples e talvez funcionasse melhor deixando mais zonas de sombras, que tenta dissipar através de diálogos muitas vezes didáticos. 

Mas funciona, e, quando investe na complexidade e ambivalência da vida psíquica, anda melhor. Na relação cruzada entre as duas mulheres se problematiza a surrada (e superada) noção de normalidade. E é na "contaminação" recíproca entre as duas que reside o perigo - e também a possibilidade de, não digo cura, mas de interferência positiva. Em tal ambiguidade reside o potencial terapêutico (definido por Freud como transferência e contratransferência). Ou seja, os sentimentos (muitas vezes inconscientes) que terapeuta e paciente alimentam um em relação ao outro. 

Neste Brasil da pandemia e da distopia política, em que todo mundo anda meio surtado, tais temas são muito bem-vindos. Ainda que não sejam lá muito leves. A vida pode ser pesada, mesmo. 

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 Foto: Estadão

Também não é das mais ligeiras a história de El Silencio del Cazador, do argentino Martin Desalvo, primeiro longa da competição latina. Guzmán (Pablo Echarri) é um guarda florestal que persegue caçadores clandestinos. Venneck (Alberto Ammann), que todos conhecem como "Polaco", é filho de um latifundiário da região e gosta de dar seus tirinhos nos bichos, mesmo que isso não seja permitido. Guzmán é casado com Sara (Mora Recalde) e tentam formar família. Sara foi namorada de Polaco quando eram muito jovens. Triângulo amoroso à vista. 

Bem, o filme apresenta o que o cinema argentino tem de melhor, a justa elaboração do roteiro. Há zonas de silêncio, apenas intuídas, e as relações entre personagens vão se desenhando aos poucos. Sem qualquer discurso, a estrutura senhorial do campo argentino vai sendo esboçada, com suas relações de dominação e abuso de poder. O pai de Guzmán fora um trabalhador (explorado) na fazenda do pai de Polaco. Portanto, a questão de classe se ajunta, como camada adicional, à rivalidade amorosa. 

Como signo não visto dessa situação conflitiva, há o aparecimento de uma espécie de puma, que está atacando o gado da região. É preciso capturá-lo, mas não matá-lo, como desejam os fazendeiros. O que é mais um motivo de oposição entre o guarda florestal e o filho mimado do latifundiário. 

O longa tem um tom de faroeste e se estrutura de modo tradicional na figura dos dois antagonistas. Há tiros e lutas em cenas bem filmadas, como são também as sequências de floresta, na natureza selvagem - ou no que dela resta na América Latina. Novidade na presença de personagens indígenas, raros na cinematografia dos hermanos. Eles estão ali, como sobreviventes silenciosos da opressão colonial, mas, pelo menos um deles, ou melhor, uma delas, pode assumir de surpresa o protagonismo da trama. 

Curtas

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 Foto: Estadão

Com 4 Bilhões de Infinitos (MG), o diretor Marco Antonio Pereira dá seguimento à série sobre Cordisburgo, sua cidade natal (e de Guimarães Rosa também). Depois da morte do pai, uma família com dificuldades financeiras tem a energia elétrica da residência cortada. As duas crianças da casa conversam enquanto a mãe trabalha e tentam dar um jeito na situação. Como nos outros filmes de Pereira, o elemento fantástico dá as caras e se intromete na narrativa realista, subvertendo-a. Muito criativo. 

 

 Foto: Estadão

Em Receita de Caranguejo (SP), a diretora Issis Valenzuela parte de uma memória de infância, quando uma tia pernambucana a ensinou a cozinhar caranguejos. Também aqui temos uma ausência, a do pai. Mãe e filha vão passar alguns dias no litoral. A garota teve a primeira menstruação e anda tensa, silenciosa. A mãe (Preta Ferreira) é mais expansiva. O filme é lacunar a alusivo, portanto aberto. Sentimos apenas que os procedimentos dessa tal receita culinária tem muito a ver com as pressões e tensões sentidas pelas personagens, em registro feminino forte. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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