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Opinião|Gramado 2019: Brizola na tela

Gramado teve uma noite emocionante com a exibição de 'Legalidade', que tem por protagonista o político Leonel Brizola, interpretado por Leonardo Machado. O ator morreu ano passado e recebeu tocante homenagem do festival

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Ator. Leonardo Machado interpreta o político Leonel Brizola em Legalidade Foto: Estadão

GRAMADO - Até Ciro Gomes, candidato do PDT na eleição presidencial de 2018, compareceu ao Palácio dos Festivais. O motivo: a exibição de Legalidade, sobre um episódio crucial da história brasileira - o movimento criado por Leonel Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, para dar posse ao vice João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros, em 1961. Jango estava em viagem e as Forças Armadas queriam dar o golpe, impedindo a posse do vice-presidente legalmente eleito. (Naquele tempo, o vice tinha votação separada do candidato a presidente e Jango fora eleito com mais votos do que Jânio). 

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O tumulto no Palácio dos Festivais não se devia apenas à programação, fora de concurso, do filme em homenagem a um dos grandes políticos do Estado. A noite era também de homenagem ao ator que interpreta Brizola, Leonardo Machado, o Léo, morto ano passado, com apenas 42 anos. Léo era queridíssimo na serra, com seu jeitão simples de galã que não se leva muito a sério, e foi por oito anos seguidos apresentador do Festival de Gramado em parceria com Renata Boldrini. 

A cerimônia em homenagem a Léo foi muito tocante, com exibição de trechos de seus filmes e trabalhos na TV. Os pais do ator morto vieram receber a placa em homenagem ao filho, concedida pelo Festival de Gramado. Muita gente na plateia chorou. 

O filme também chegou a empolgar em muitos momentos. O diretor Zeca Brito entrelaça passagens encenadas com cenas documentais do processo de resistência de Brizola ao golpe. Cria, também, um enredo ficcional, sobreposto aos fatos históricos. Uma correspondente do Washington Post, Cecília (Cleo Pires), que depois se revela ser também agente da CIA, envolve-se com dois irmãos - um antropólogo guerrilheiro Luiz Carlos (Fernando Alves Pinto) e um jornalista idealista, Tonho (José Henrique Ligabue). O trio move-se em torno de Brizola e participa da fervura política do episódio. Com direito a uma entrevista com Che Guevara, que participava de uma conferência da OEA em Punta del Este, no Uruguai. 

Legalidade consegue por momentos recriar aquela época tanto turva quanto trepidante da Guerra Fria, com seus golpismos e manipulações políticas. Evoca, para saudade dos nossos tempos frouxos, um político com sangue nas veias, capaz de arriscar tudo, até mesmo a própria vida, para influir no curso da História. Léo Machado está muito bem na pele de Brizola, pegando o gestual, a ênfase e a entonação do político. Mas Legalidade nem sempre consegue manter o tônus e às vezes recai no tom folhetinesco de sua trama ficcional paralela.

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O grande drama era outro, o da História (com agá maiúsculo) e este teve desfecho um tanto frustrante. Para assumir o posto, Jango teve de adotar uma posição de compromisso, aceitando um parlamentarismo de ocasião (derrubado, depois, num plebiscito). Apesar dessa concessão, foi uma vitória parcial de Brizola, mas também apenas um adiamento. O golpe, abortado em 1961, aconteceria em 1964, com a deposição de João Goulart e o início do ciclo ditatorial que duraria 21 anos. Brizola foi para o exílio e voltou ao país com a Anistia.  

Há uma certa beleza no filme. A beleza triste das causas perdidas. 

 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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