A comparação entre os registros pode ser feita na caixa Glenn Gould - A State of Wonder, que contém ainda um terceiro CD com a conversa entre o pianista e o crítico musical Tim Page, gravada em 1982. A entrevista seria uma peça promocional pensada para a segunda gravação das Variações. Mesmo assim não perde a espontaneidade, embora Page diga que seus encontros anteriores com Gould foram bem mais divertidos, marcados pelo espírito lúdico do artista e seu senso de humor. Conta que Gould chegou para a gravação em estúdio em sua indumentária usual, para o verão: dois suéteres sobre uma camisa de lã, luvas, cachecol, casaco de couro preto e boné na cabeça. Parecia doente, diz o crítico, com a pele esmaecida e cabelo que caía aos tufos. Mas a verve continuava intacta.
O crítico o interroga sobre a diferença de tempos entre as duas versões e Gould responde que era muito apressado na época em que tocou a primeira. Acontece que o disco de 1955 é considerado um marco na gravação de música erudita. Gould trouxe para o piano uma música até então tocada em cravo - e por intérpretes grandiosos como Wanda Landowska, tida como intérprete canônica tanto das Variações como dos dois volumes da Arte da Fuga. Gould revolucionou tudo. Trouxe as Variações para o piano e deu-lhes uma interpretação que revelou todo o seu frescor - como ele imaginava que Bach as havia pensado e executado. Quando se soube da regravação de 1981, a pergunta que não queria calar era: será que Gould é capaz de superar a si mesmo?
No entanto, ele próprio não tinha em grande conta a sua leitura de 1955. Além de achá-la juvenil, considerava-a cheia de equívocos. Chegou a dizer que aquele provavelmente fora o disco de música clássica mais superestimado de todos os tempos. Entrava em detalhes. Sobre a Variação nº 25, por exemplo, ele dizia que soava como um Noturno de Chopin. "É como se a música dissesse: Por favor, prestem atenção: isto é uma tragédia. É como se alguém não tivesse a dignidade de suportar o sofrimento com um toque de silenciosa resignação." A reinterpretação da mesma peça, 26 anos depois, diz o crítico, "é muito mais sóbria e introspectiva, com tempos mais lentos".
Da audição comparada das duas talvez se possa chegar àquilo que Gould buscava na música - um estado de alumbramento. E serenidade.
(Cultura 7/6/09)