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Cinema, cultura & afins

Opinião|Girimunho

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Duas velhas senhoras se tornam mais próximas quando o marido de uma delas morre. As mulheres interpretam os seus próprios papéis, quer dizer, empenham-se naquilo que no meio cinematográfico costuma se chamar de "autoficção". Um termo que coloca sério problema para definir fronteiras entre o documentário e a ficção e tem se prestado mais a confusão que esclarecimento. Ao refazerem suas existências diante da câmera, estariam essas senhoras criando vidas novas ou se prestando a uma espécie de relatório etnográfico?

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Talvez nada disso mais importe. Eduardo Coutinho, autor de Cabra Marcado para Morrer e Jogo de Cena, dois títulos referenciais  do cinema brasileiro, disse que nem podia ouvir mais falar nessa questão. Falso problema, segundo ele. Girimunho retoma tudo isso tomando por título esse termo já de ressonância roseana. Envolve o espectador no torvelinho do mundo das mulheres, sem explicitar o que é documental ou ficção. Inventa-se ou registra-se.?Tudo isso passa em especial pela fala e presença de de Bastú (Maria Sebastiana Alves), viúva de um certo Feliciano, e sua vizinha.

O filme é feito de palavras, mas também sons, silêncio, sombras. Aposta, em sua dimensão poética, no caráter sensorial do cinema, produzindo a imersão na magia sertaneja, numa localidade chamada São Romão, interior de Minas.

Nesse trabalho, os diretores Helvécio Marins e Clarissa Campolina aproximam-se do ar misterioso do conterrâneo ilustre da literatura, Guimarães Rosa, que encontrava na fala sertaneja a elaboração metafísica das grandes questões. Vida, morte, o passar do tempo, o aqui e o além. Problemas sem solução, porém impossíveis de serem evitados pelo pensamento humano, escandem-se poeticamente, não de forma racionalista ou expositiva. É a  filosofia que não diz seu nome, mas nem por isso é menos profunda.

Se Girimunho tem problemas de comunicação com o público mais amplo é porque este já está condicionado ao cinema linear e digestivo vendido pela publicidade. O fato de um filme como este e O Homem que Não Dormia estrearem no mesmo dia de um mega blockbuster como Os Vingadores não deixa de ser simbólico e interessante. São o minúsculo contraponto do cinema autoral brasileiro ao tsunami comercial de Hollywood. Tirem suas conclusões.

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(Caderno 2)

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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