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Opinião|Vernant e Bento Prado: gente boa indo embora...

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As mortes se sucedem e até tenho pudor em comentá-las aqui. Mas, enfim, por paradoxo, tudo isso faz parte da vida. Duas delas não posso deixar passar em branco, pelas dívidas intelectuais que tenho com os dois: refiro-me ao francês Jean-Pierre Vernant e ao brasileiro Bento Prado Jr. Ambos da área de filosofia, que estudei na USP nos idos dos anos 70.

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Não conheci Vernant pessoalmente, mas através dos seus livros ele era nome popular na velha Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas. Nos referíamos a ele com aquela familiaridade bem típica do brasileiro: "Você leu o que o Vernant escreveu? Viu o que ele disse sobre isso ou aquilo?" Como se fosse um amigo, com quem convivêssemos no botequim. Quem nos apresentara Vernant era a Marilena Chauí, com certeza uma das melhores mestras que tive em minha vida. E através dela, pudemos nos aproximar da cultura e da mitologia dos gregos, com a mediação das obras de Vernant. Ele tinha exatamente essa qualidade: a de mostrar como deveríamos de fato considerar o berço da cultura ocidental - a Grécia - como algo de familiar, próxima do nosso cotidiano, solidária das nossas preocupações, alegrias e angústias. Li e continuo a ler com prazer seus livros, a maioria dos quais traduzida para o português. Recomendo, sobretudo, Mito e Pensamento entre os Gregos, um pequeno grande volume. Mas há outro livro maravilhoso, editado aqui pela Edusp, Mito & Política, em que Vernant nos fala de sua trajetória, mostrando como foi possível conciliar o homem de ação (participou da Resistência durante a 2ª Guerra Mundial) e o homem de pensamento. E como não existe distinção séria entre a reflexão abstrata e o pensamento político, como às vezes parecem achar no Brasil.

Política também não esteve ausente da vida de Bento Prado Jr. e ele a sofreu na pele. Professor da USP, foi aposentado em 1969 pelo AI-5, exilou-se e, quando voltou, foi convidado a lecionar na Universidade de São Carlos. Por esses motivos, um desencontro temporal e as vicissitudes políticas de um país de 3º Mundo, não cheguei a ser aluno de Bento Prado, mas assisti a várias palestras ministradas por ele e mesas redondas das quais participou. Era também aquele tipo de professor que transformava saber em sabor, da estirpe de um Ruy Coelho e de outros poucos que conheci. Bento Prado era um estudioso do existencialismo e li vários dos seus textos sobre essa área da filosofia.

Um dia, surpreso, encontro um pequeno ensaio seu sobre futebol e literatura. Uma delícia de texto, de alguém que não se considerava acima de uma paixão popular dos brasileiros como o jogo da bola, falando com propriedade de um jogador de sua admiração, o grande Ademir da Guia. Assim era Bento Prado, atento às nuances da experiência humana, onde quer que ela ocorresse.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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