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Cinema, cultura & afins

Opinião|Furo de reportagem

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Crítico de cinema em férias acaba vendo os filmes tardiamente e não antes da estréia, como está acostumado. Foi o que aconteceu com Scoop - o Grande Furo, de Woody Allen, que fui assistir ontem no Espaço Unibanco do Gonzaga, antes de me encaminhar para o Santos x Corinthians na Vila Belmiro. Ou seja: dois programas culturais emendados.

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Já havia lido algumas críticas conflitantes sobre o filme, que o classificavam de quase uma obra-prima a um Allen menor. Não sei se fico com uns ou com outros, mas o fato é que me diverti à beça com a história da foca (Scarlett Johansson) que recebe a dica de um furo de reportagem e resolve ir atrás da matéria que pode consagrá-la. A "fonte" dela, literalmente, vem do além. A história em nada passa, no entanto, essa idéia de vida após a morte que, me dizem, é garantia de sucesso em filmes açucarados (bem, basta lembrar de Ghost, que ficou uma eternidade no circuito). Em Allen, as cenas do "além" tomam o tom de farsa, como se saíssem em alguma medida do Auto da Barca do Inferno, de Gil Vicente. E as cenas da vida, propriamente dita, não ficam atrás. É em tudo um Allen farsesco, um homem que pensa e se diverte, esse de Scoop.

Não, não existe propriamente uma meditação filosófica, como aquela sobre o papel do acaso no destino humano, presente no anterior Match Point. Mas não deixa de existir também uma série de, digamos, aforismos cinematográficos, por exemplo farpas dirigidas à carreira jornalística - por exemplo, o papel de Scarlett, a repórter que acaba na cama com suas fontes, o que no irônico jargão da carrière se chama "dormir com a notícia". É claro, também, que a ironia de Allen não se restringe a uma categoria profissional; ela se estende à condição humana de uma maneira geral, essa espécie trágica (e cômica) que sabe que vai morrer e gasta a vida preocupada com mesquinharias. Assim, é uma sabedoria, talvez a da velhice, que se expressa nesse exercício de distanciamento crítico de Woody Allen.

Que, diga-se, nada tem de amargo ou pessimista. É apenas constatação da dura realidade, e do papel que tem o humor na tolerância possível a essa realidade. Os prazeres da inteligência ainda são mais duradouros que os outros - é isso que Allen diz, a cada filme. Seja ele uma obra-prima, seja um divertissement elegante como este.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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