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Opinião|Flordelis: força tarefa global não salva o filme sobre missionária

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
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Nas primeiras imagens, surge um baile funk numa favela carioca. Um rapaz está com a namorada. Chega um bando armado e para o baile. Vieram apanhar o rapaz, que precisa acertar algumas contas. Levam-no arrastado. A moça se desespera. Sai, favela adentro, à procura de ajuda. Chega à casa de uma mulher e lhe pede auxílio, desesperada. Quem é essa abnegada, que tentará salvar o moço? Flordelis, a própria. Heroína do mix de documentário e ficção Flordelis - Basta Uma Palavra para Mudar, de Marco Antonio Ferraz e Anderson Correa.

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O objetivo é, através de depoimentos da própria personagem real, e de encenações, reproduzir uma trajetória de vida singular. Flordelis, moradora da favela do Jacarezinho, evangélica, é bem conhecida. Apareceu em matérias de jornais e na TV Globo, inclusive no Fantástico. Isso porque, no mundo da violência e da indiferença, ela colocou na cabeça que poderia mudar o destino das pessoas por intermédio da sua simples intervenção. Assim, falava com o pessoal do tráfico e com a população. Tentava evitar que mais mortes acontecessem.

Não contente, um dia na Central do Brasil, teve uma iluminação e percebeu que a raiz de tantos problemas estava na infância desassistida. Passou a recolher crianças abandonadas e levá-las à sua casa. Chegou a ter mais de 40 crianças em casa, criadas por ela e pelo marido. Foi ameaçada e enfrentou processos de mães que queriam os filhos de volta. Foi assim que Flordelis se tornou famosa e saiu na televisão.

A história é exemplar. O filme nem tanto. Flordelis não chega a ser a melhor atriz de si mesma. Já que era para encenar, talvez uma atriz profissional desse mais conta do recado. No cinema (na arte, em geral) às vezes um artifício tem mais valor de "verdade" que a realidade transcrita "tal como é".

Há, em seguida, os depoimentos encenados de traficantes, desvalidos e prostitutas interpretados pela fina flor do cast global, Alinne Moraes, Letícia Sabatella, Fernanda Lima, Letícia Spiller, Marcello Antony, Reynaldo Gianecchini e tutti quanti. Nunca jamais se viu tanta gente bonita junta fazendo esse tipo de papel. O resultado pode ser uma festa para os olhos, mas a verossimilhança é igual a zero. A esse desastre se soma a opção melodramática, com uso de música redundante e portanto dispensável.

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Sim, a causa de Flordelis pode ser das mais meritórias, embora os eternos insatisfeitos possam chamá-la de assistencialista. Transformar essa história em filme, e neste filme em particular, talvez não seja a melhor maneira de ajudá-la.

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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