Um dia, no entanto, sentou na poltrona ao lado um velhinho, e fomos tagarelando de São Paulo ao Guarujá, sem parar. Ele falou muito mais do que eu. Me contou parte da sua vida. Era catalão e havia participado da Guerra Civil Espanhola. Anarquista até a sola dos sapatos, depois da vitória de Franco atravessou o Atlântico e veio dar neste país, que percorreu também de norte a sul. Fazia alguns anos havia se estabelecido no Guarujá, onde ganhava a vida como caseiro de um condomínio de luxo. Rimos dessa ironia da história: um anarquista que toma conta das casas da burguesia. Ele não se importou. Ganhava a vida, isso era tudo.
Chegamos à rodoviária do Guarujá, nos despedimos e pedi para que nos encontrássemos de novo, tão encantado ficara com a conversa. O velhinho me olhou nos olhos e sorriu: "Si, pero sin compromisos". Esse era o verdadeiro anarquista. Gostara de me conhecer por acaso e teria prazer em continuar a conversa se a sorte nos reunisse outra vez. Não precisávamos nos prender a datas, horários e cadernetas de anotações. Lembrei-me na hora da história daquele outro militante anarquista respondendo ao comunista que lhe propunha fundar uma organização: "Nosotros nos encontramos en la calle". Nos encontramos na rua.
Inútil dizer que nunca mais vi o velho catalão, mas dele me ficou a lembrança. E uso essa memória para dizer que estou entrando em férias a partir de hoje. Vão me fazer bem, pois tive um ano extenuante, de muito trabalho e viagens. Nada disso mata. O que mata são as outras coisas que acontecem com a gente e sobre as quais não exercemos o menor controle. Acidentes de percurso na carreira e perdas familiares irreparáveis. Enfim, preciso de uma pausa e vou aproveitá-la para estar mais com minha mulher, nadar, andar na praia, ler e ver o que for possível. Levo umas matérias para fazer e ainda vou escrever duas colunas de futebol para o jornal, pois acho sacanagem abandonar o Campeonato Brasileiro nesta reta final. Depois, chega.
De todo modo, estarei com meu computadorzinho ao lado e, se der vontade, posso colocar um post ou outro durante o mês, se quiser dizer alguma coisa ou ao sabor do desejo despertado por um filme ou alguma leitura.
Mas, como dizia o meu amigo anarquista, "sin compromisos".
Bom final de ano a todos e ótimo 2010 para nós, que bem o merecemos.