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Opinião|FAM 2019: O discreto charme dos filmes inacabados

Festival do Mercosul apresenta filmes ainda inacabados para que o público opine e diga que modificações faria na edição final

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

El Film Justifica los Medios Foto: Estadão

 

FLORIANÓPOLIS - Uma interessante iniciativa do FAM: as sessões WIP, ou Work in Progress. Como o nome indica, são filmes ainda não inteiramente acabados,  mostrados para o público em primeira mão. Depois da projeção há uma breve dinâmica de grupo, em que uma especialista (da empresa Boca a Boca) debate com a plateia os aspectos considerados fortes e fracos do filme (na opinião da audiência, claro). Esses pontos de vista do espectador comum podem - ou não - levar a modificações no corte final das obras. 

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Assisti a duas dessas sessões, ambas com produções colombianas - o documentário El Film Justifica los Medios, de Juan Jacobo del Castillo, e a ficção El Arbol Rojo, de Joan Goméz Endara.

A primeira impressão é que, se as obras ainda não estão prontas, pelo menos se encontram em fase final de acabamento. Esperava (temia) encontrar outra coisa nessas sessões, como pedaços de filme ainda precariamente montados, ou sem música, ou com tratamento de pós-produção precário, etc. Material cru. 

Nada disso. São filmes que se veem perfeitamente numa tela de cinema. Se serão alterados, é outra história, porque tanto num filme como num texto há sempre algum detalhe a ser mudado. Mas encontram-se quase no ponto de serem mandados às salas, ou aos suportes aos quais se destinam. 

E o melhor de tudo é que são bons filmes. 

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El Film Justifica los Medios brinca com a frase arquetípica do pragmatismo, político ou não, sobre o fim justificar os meios. Atribuída a Maquiavel, serve para desculpar quaisquer barbaridades desde que a finalidade seja considerada benéfica. Bom, o fato é que o filme traz três personagens, antigos documentaristas colombianos, dois homens e uma mulher, todos na faixa dos 80 anos de idade, e que se dedicaram a registrar, com suas câmeras, a movimentada e sangrenta vida política do país. 

A riqueza de material espanta e surpreende - positivamente. Estão lá as imagens da agitação dos anos 1960 e 1970, belamente preservadas em preto e branco. E, ainda mais importante, está lá, intacto, o espírito insurgente daquela época, do qual os cineastas faziam parte. Um deles conta como amargou ano e meio de prisão por seu trabalho, sem acusação formada. 

 

El Arbol Rojo Foto: Estadão

 

Já El Arbol Rojo se refere ao mito de que as "gaitas" (instrumentos de sopro) seriam construídas com a madeira de uma misteriosa árvore vermelha. 

O filme começa com o enterro de um famoso instrumentista colombiano. Além de virtuoso da gaita, o homem, que morreu idoso, tinha fama de priápico e filhos espalhados por toda a costa caribenha do país. A seu pedido, a filha mais nova, uma garotinha chamada Esperanza, deveria ser conduzida para a casa da mãe, em Bogotá. A missão cai nas mãos do filho mais velho do músico. 

Algumas gerações separam esses meio-irmãos e o filme se converte em road movie bastante original, ao qual se incorpora um terceiro elemento, um rapaz que deseja escapar à pobreza da sua região e fazer outra vida na capital do país. 

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O filme é bonito e interessante. Apesar de sua originalidade, não foge a alguns clichês do gênero road movie, como a modificação rápida dos personagens à medida em que a própria paisagem se altera ao longo da viagem. Porém inclui algumas questões externas que acabam por interferir na precária trajetória dos três. Em especial, a opressão aos civis que, numa época de muita turbulência política, são espremidos entre a violência do exército e a dos guerrilheiros das Farc. O tempo histórico em que os fatos se dão é o final dos anos 1990. 

Uma cena provocou críticas da plateia. Nela, vêem-se ônibus ultra-modernos, o que seria um anacronismo em relação à época da trama. O diretor, presente à sala (sem que os debatedores soubessem), pediu a palavra e informou que aquela cena era feita com imagens tiradas da internet e que ele iria ainda filmá-la, eliminando aquele erro. 

Pois é, os filmes não estão tão prontos assim. Mas quase. 

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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