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Opinião|Falta combinar com os russos *

Poucas coisas me despertaram tanta simpatia ultimamente quanto esta iniciativa dos jogadores, candidamente chamada Bom Senso Futebol Clube.

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Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

Pelas entrevistas de boleiros que venho vendo ou ouvindo, de Raí a Alex, trata-se mesmo de uma iniciativa do mais puro senso comum. O diagnóstico é preciso. Chegamos a um ponto de exaustão graças ao irracional calendário do futebol brasileiro. Joga-se demais e, como consequência, vê-se em campo futebol de menos. Os jogadores são a parte mais sensível nessa engrenagem - sentem o excesso sobre o próprio corpo. As contusões avolumam-se, o padrão de jogo cai no segundo tempo por falta de pernas, a técnica torna-se precária por cansaço e falta de tempo para treinos e repouso. É preciso diminuir o número de jogos por ano. Quem pode ser contra isso? Bem, duvido que alguém se apresente de cara limpa contra pretensão tão honesta. Mas desconfio que os nossos bravos defensores do bom senso encontrarão fortes e sutis adversários pela frente. Ou melhor, pelas costas.

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O sintoma dessa resistência aparece, por exemplo, quando Felipão diz que o calendário brasileiro e o europeu não são tão diferentes assim. Bom, já se provou, na ponta do lápis, que um grande clube europeu joga, em média, dez partidas a menos que um congênere brasileiro. Não é pouco.

Onde reside o excesso brasileiro, e como pode ser enxugado? Ora, se compararmos as disputas daqui e as de lá, veremos que são mais ou menos semelhantes - os campeonatos nacionais se equivalem, a Libertadores vale pela Liga dos Campeões, a Sul-Americana pela Liga Europa, e assim vamos. Com a exceção dos campeonatos estaduais que, já há alguns anos, vêm figurando como vilões do calendário nacional.

Serão mesmo vilões? Acho feio macaquear estrangeiros, como é de nosso hábito. O Brasil tem características diferentes, inclusive por suas dimensões. Não dá para comparar um país deste tamanho com a Itália, Espanha ou Grã-Bretanha. Suprimir campeonatos estaduais seria condenar dezenas de jogadores ao desemprego. Aliás, a hipótese nem se coloca, por causa da popularidade dessas disputas em várias partes do País.

A questão é mesmo racionalizá-los. No caso de São Paulo, mesmo um defensor do Campeonato Paulista como eu e muitos amigos e conhecidos, reconhecem que a fórmula de disputa está muito inflada. Não há qualquer sentido (a não ser político) para uma Primeira Divisão composta por 20 clubes. O excesso de datas do Campeonato Paulista compromete todo o calendário dos clubes e, por paradoxo, dá armas a quem defende a sua extinção.

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É preciso enxugá-lo urgentemente. Menos times ou uma forma de disputa que utilize menos datas - e, de preferência, as duas coisas. Diminuir o número de clubes e bolar uma forma de disputa em playoffs, que comprometa menos datas.

Essa é uma das situações a serem enfrentadas. Outra, seria reconhecer de vez o Brasil como país periférico no mundo do futebol e alinhar seu calendário ao europeu. Por que a soberba? Nos transformamos mesmo em país exportador e sofreremos a humilhação de jogar uma Copa do Mundo em casa com a totalidade dos titulares empregados em clubes europeus. Por que, então, não alinhar o nosso calendário ao deles, já que isso traria um mínimo de racionalidade ao futebol aqui praticado? Evitaríamos, por exemplo, o desmanche de times no meio da principal disputa, que é o Campeonato Brasileiro.

São medidas de bom senso, para voltar ao tema. Adotadas, não produzirão o milagre de reerguer um futebol que já perdeu a identidade própria. Mas com menos jogos, mais tempo de treino, menos desmanches de times, etc, poderíamos, talvez, assistir a jogos tecnicamente melhores, agradáveis e mais emocionantes. Já que não podemos sonhar em ter nossos craques entre nós, que pelo menso os bons jogadores remanescentes possam ter condições de exercer melhor seu ofício. Só falta combinar com a CBF, com as federações e com a TV. Como dizia Garrincha, na anedota famosa, só falta combinar com os russos.

* Coluna publicada no Esportes do Estadão

Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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