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Cinema, cultura & afins

Opinião|'Eu e Você': A solidão adolescente

Foto do author Luiz Zanin Oricchio
Atualização:

A carreira de Bernardo Bertolucci alterna espetáculos grandiosos, como O Último Imperador, a trabalhos intimistas. É nesta chave que funciona seu trabalho mais recente, Eu e Você, baseado em romance homônimo de Niccolò Ammaniti (no Brasil pela Bertrand Brasil).

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Essa chave "menor" se refere tanto à dimensão dos personagens, como do espaço em que eles se movem. Eles, os personagens, são um adolescente, problemático como todos, que por acaso se reencontra com uma meia-irmã mais velha, que está tentando se recuperar de uma severa dependência de drogas pesadas. O espaço em que se encontram é o porão de uma velha casa romana onde o rapaz montara uma espécie de bunker para se isolar do mundo dos adultos.

Lorenzo (Jacopo Olmi Antinori) vai passar uma semana esquiando com os colegas da escola, mas desiste da viagem e busca refúgio no porão. A mãe pensa que o filho está passando sua "settimana bianca", que é como os italianos se referem a essa temporada curta na montanha. Tenta controlá-lo pelo celular, o que acontece com todas as mães contemporâneas. Ele finge que está com os colegas na estação de esqui. Mas se enfurnou em sua casamata, onde pode ouvir a música de que gosta e comer a junk food que aprecia. O que não esperava é ver seu isolamento quebrado pela chegada de Olivia (a interessante Téa Falco), meia irmã mais velha, que procura se manter "limpa" de modo a iniciar novo relacionamento amoroso.

O encontro dos dois tem seu magnetismo e suas arestas. A envolvente sensualidade de Olivia contrasta com o desejo de solidão de Lorenzo. Ambos se atraem e se repelem. Unem-se numa espécie de sofrimento indefinido. A origem pode ser a forma de criação, o abandono do pai, a inadequação ao mundo adulto, as exigências da sociedade contemporânea. Tudo pesa. Mas pesa mais ainda um mal-estar difuso, que pode não se exprimir em motivos concretos, mas é sentido em toda profundidade. E, no entanto, é preciso tentar viver, como dizia o poeta Paul Valéry, mesmo desafio que se repõe, geração após geração. Viver, apesar de tudo. No caso, os problemas mais imediatos são, para Lorenzo, sair do casulo, e, para Olivia, soltar-se da prisão das drogas. Ambos aspiram à libertação.

Por isso, e não por acaso, o filme, que se passa quase o tempo todo no espaço claustrofóbico do porão, começa e termina na rua. Que é onde está a vida, por imperfeita que seja, e onde as pessoas precisam estar para poderem se renovar no convívio com as outras.

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Opinião por Luiz Zanin Oricchio

É jornalista, psicanalista e crítico de cinema

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